Introdução
A Bíblia trata do caráter apologético
das doutrinas centrais da fé cristã em praticamente todos os seus livros do
Novo Testamento. Desde a ressurreição de Cristo, muitas heresias se
introduziram no meio da Igreja. Embora os Apóstolos, os pais apostólicos, os
pais apologistas e os pais polemistas tenham lutado pela fé que uma vez nos foi
dada, alguns resquícios dessas falsas doutrinas permaneceram e/ou evoluíram
para os séculos posteriores.
Na presente era da Igreja, encontramos
esses resíduos primitivos em conceitos teológicos profundamente equivocados. Os
atributos de Deus são confundidos em muitas seitas pseudo-cristãs. A natureza
de Cristo ainda sofre má interpretação em relação a Sua divindade e humanidade.
O Espírito Santo é questionado em alguns grupos religiosos. A doutrina da graça
ainda é pervertida. O cânon das Escrituras continua a ser atacado por alguns
supostos cristãos. Certos homens insistem em recosturar o véu. A simonia
permanece desgraçando a autenticidade do cristianismo.
No presente artigo poderemos ver que, na
ânsia de alguns em querer reinventar a roda, trouxeram à tona heresias que não
possuem nada de novo. São apenas continuações ou evoluções de ideias antigas,
as quais permearam os primeiros cinco séculos da era cristã.
Misticismo
e revelações
A maioria das heresias ocorre em virtude
da ênfase exageradamente mística que alguns dão à religiosidade.[1]
É certo que Deus é um ser pessoal e que se relaciona com seu povo. Todavia,
devemos buscar explicações para nossas experiências à luz da Palavra de Deus e
não vice-versa. Berkhof diz que, esta “posição deve ser sustentada em oposição
a todas as classes de místicos”, pois eles alegam revelações especiais, bem
como um conhecimento metafísico não mediado pela Palavra de Deus, o que pode
nos levar “a um oceano de ilimitado subjetivismo”.[2]
Essa influência parte de um dos
primeiros grupos heréticos que os cristãos tiveram que enfrentar: os gnósticos.
Este termo deriva do grego, gnosis,
que significa conhecimento. Tais pessoas acreditavam que existia uma revelação
secreta e que somente pessoas especiais tinham o privilégio de ter acesso a elas.
Para isso, usavam da astrologia, ocultismo, numerologia e outras práticas de
adivinhação. Eles também negavam a natureza humana de Jesus. Era contra esse
grupo que o Apóstolo João escrevia alertando os cristãos primitivos (1 Jo
4.1-3).
Os “cristãos” gnósticos provavelmente foram
influenciados pelas religiões de mistério que os romanos haviam importado.[3]
Dentre elas, podemos citar o mitraísmo, uma religião da antiga Pérsia e da Índia
e que tinha muita popularidade entre os soldados romanos. Segundo essa
religião, Mitra era o deus da luz e da sabedoria, o qual matou o touro sagrado.
Logo após mata-lo, saíram todas as espécies boas da fauna e da flora do cadáver
do touro. Eles acreditavam, ainda, que a imortalidade era era recebida através
de rituais e de um rigoroso sistema ético.[4]
Na história da Igreja, alguns movimentos
deram maior ênfase ao relacionamento pessoal com Deus, a fim de vivermos uma
vida mais piedosa. O pietismo foi um desses. Ao passo que os luteranos haviam
se dedicado ao conhecimento intelectual das doutrinas e haviam entrado num
estado de relapso prático, numa espécie de secularização da igreja, o grupo
citado buscava algo mais equilibrado, isto é, mais piedade e intimidade com
Deus, sem no entanto, cair num cristianismo superficial.[5]
Após estes, podemos citar os moravianos e o movimento wesleyano, os quais deram
forte influência para o movimento pentecostal clássico.
Apesar de movimentos legítimos como os
que foram citados, outros acabaram se desviando dos fundamentos escrituríticos.
O descuido empírico levou muitas pessoas a afirmarem aberrações teológicas e
até mesmo a negarem Cristo, como é o caso do islamismo. Experiências
angelicais, como aconteceu no mormonismo, levou Joseph Smith a se afastar da
ortodoxia e a contaminar a mentalidade de vários desconhecedores da Palavra de
Deus (cf Gl 1.8).
Lutero, afirmando o princípio sola scriptura, tomou uma medida
drástica contra as experiências extra-bíblicas: “Fiz uma aliança com Deus: que
Ele não me mande visões, nem sonhos nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom
das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso
conhecer tanto para esta vida quanto para a que há de vir”.[6]
Graça
barata
É assim que poderíamos conceituar os
ensinos do pregador cingapuriano Joseph Prince contidos em seu Best-seller “Destined to Reign” (Destinados a
Reinar). A expressão “graça barata” foi cunhada pela primeira vez pelo teólogo
alemão, Dietrich Bonhoeffer. Para ele, “A graça barata é a pregação do perdão
sem arrependimento, o batismo sem a disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor
sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata
é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo,
encarnado”.[7]
A graça barata tem sido mais chamada de “hipergraça” atualmente, tendo em vista
a ênfase que seus proponentes dão nas conquistas do sacrifício de Cristo a
despeito da santificação.
Prince ensina que nossos pecados do
passado, presente e futuro já foram perdoados e que desta forma não é mais
necessário que um cristão peça perdão a Deus caso venha a pecar. Além disso,
ele crê que Deus não pune o homem por suas falhas e encontra apoio para esse
argumento nas epístolas paulinas. Segundo ele, os demais livros são legalistas
e não expressam genuinamente a graça de Deus, o qual até era punitivo e agia
com justiça na Antiga Aliança, mas que na Nova a graça é o atributo em
evidência. Ele baseia toda sua doutrina em torno de uma “graça” mal
compreendida.[8]
Os ensinos de Prince, além de conduzirem
ao antinomianismo, resgatam alguns aspectos da velha heresia marcionista. Marcião
ensinava que os livros do Antigo Testamento estavam ultrapassados e
rejeitava-os, usando seu próprio compêndio de livros sacros, os quais
compreendiam o Evangelho de Lucas e as cartas de Paulo, exceto as pastorais.
Ele propagava uma contradição de dois deuses: um Demiurgo inferior que criou o
universo, o Deus do judaísmo (severo e manifesto na Lei) e um Deus supremo,
cheio de graça e amor redentor, revelado em Cristo. Ele tinha convicção de que
estava restaurando o “puro Evangelho”.[9]
Outra heresia relacionada a graça divina
foi a de um grupo chamado em Apocalipse de Nicolaítas (Ap 2.6,15). A
interpretação dessa passagem é analisada em pelo menos três perspectivas: 1)
eram seguidores de Nicolau, um dos sete que foram designados diáconos em At 6 e
que acabou deixando a ortodoxia; 2) gnósticos que queriam se infiltrar na
igreja e 3) pessoas que seguiam o ensinamento de falsos Apóstolos e de Balaão.[10]
Embora não haja consenso sobre a origem
dos nicolaítas, sabemos que eles pregavam uma versão inovadoramente imoral do
Cristianismo. Era um evangelho sem exigências, liberal e sem proibições, no
qual queriam gozar o melhor da igreja e o melhor do mundo. Eles incentivavam os
crentes a comer comidas sacrificadas aos ídolos e diziam que o sexo antes e
fora do casamento não era pecado, estimulando a imoralidade.[11]
Clemente de Alexandria disse que Nicolau
(ele cria que fosse um dos sete diáconos) foi repreendido por se enciumar de
sua mulher que era muito bonita. Respondendo a essa reprovação, ele disse que
quem quisesse poderia tomá-la como esposa, ou seja, ter relações sexuais com
ela. Clemente acrescenta, ainda, que Nicolau passou a ensinar que os apóstolos
tinham permitido relações promíscuas e comunitárias com as mulheres.[12]
Eusébio de Cesaréia confirma a citação
de Clemente em sua história eclesiástica. Entretanto, alega ter pesquisado
sobre a vida de Nicolau e descobriu que, embora este tenha ensinado que “cada
um deve ofender a própria carne”, ele mesmo não viveu com outra mulher a não
ser sua esposa, manteve suas filhas em virgindade até idade avançada, bem como
seu filho incorrupto. Eusébio entende que Nicolau tenha permitido sua mulher se
relacionar com outros homens para suprimir sua paixão carnal e os prazeres que
buscava com tamanho empenho.[13]
Infelizmente, alguns seguiram a prática
nicolaíta e se entregaram às paixões sob a alegação de que a carne para nada se
aproveita. Easton disse que “eles se pareciam com uma classe de cristãos
professos, que procuravam introduzir na igreja uma falsa liberdade ou
licenciosidade, desta forma abusando da doutrina da Graça ensinada por Paulo”.[14]
Kistemaker, entretanto, faz uma
excelente colocação sobre o tema. Segundo ele, os crentes de Éfeso odiavam as obras dos nicolaítas e além
de serem elogiados por conta disso, Jesus acrescenta que Ele odeia igualmente
essas obras. “Note que o ódio é direcionado para as obras, não para pessoas.
Jesus odeia o pecado, porém estende seu amor para o pecador. Enquanto o pecado
é uma afronta a sua santidade, a missão de Jesus é conduzir os pecadores ao
arrependimento”.[15]
Judaizantes
Se por um lado “se introduziram
furtivamente certos homens (…) ímpios, que convertem em dissolução a graça de
nosso Deus, e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (Jd 4), por
outro vieram alguns que tentaram recosturar o véu que foi rasgado de alto
abaixo no dia da expiação de Cristo.
Alguns grupos judaizantes da atualidade criaram
doutrinas singulares, tais como negar o uso do nome Jesus no idioma português,
sob o pretexto de que esse nome deriva da forma grega iesus, cujo significado seria deus-cavalo (para eles deve-se usar
todos os nomes bíblicos no idioma hebraico), sistematizar o Espírito Santo num
entendimento unicista, negar a fórmula batismal de Mt 28.19,20, negar a
inspiração dos livros neotestamentários, além de dogmatizar a guarda do sábado.[16]
Israel é uma nação de importância
histórica, política, econômica, militar e religiosa. Foi lá o berço do
monoteísmo e também lá que nasceram homens que marcaram suas gerações. O
judaísmo tinha aspectos de uma Aliança feita de Deus para com os homens,
todavia, esses aspectos eram sombras que apontavam para o futuro, para uma Nova
Aliança ratificada e firmada pelo Sangue do Cordeiro Jesus Cristo (Cl 2.17).
Embora o cristianismo traga consigo a história dos hebreus, é peculiar e
diferente do judaísmo.
Nos primeiros anos da jovem Igreja
fundada por Cristo e dirigida pelo Espírito Santo, alguns homens que se
converteram religiosamente ao cristianismo, não quiseram abrir mão de alguns
aspectos do judaísmo farisaico e fizeram de tudo para misturar o Evangelho puro
e simples com a Lei de Moisés. Essa controvérsia trouxe sérios aborrecimentos
ao Apóstolo Paulo, o qual exortou irmãos que estavam deixando a doutrina de
Cristo para ir após outro evangelho em sua carta aos gálatas.
As principais religiões judaicas do
primeiro século da era cristã eram os fariseus, saduceus, zelotes e essênios.
Cada um desses grupos tinham costumes que lhes eram próprios e com a
proliferação do cristianismo para os gentios, houve um grande choque cultural
entre estes e os judeus, os quais quiseram impor a continuação da circuncisão.
Esta discrepância doutrinária trouxe uma
discussão acalorada entre Paulo, Silas e os fariseus recém-convertidos. Tal
controvérsia só pôde ser apaziguada em uma reunião conciliatória em Jerusalém
por volta do ano 51. d.C.. Embora este concílio tenha definido as contramedidas
solucionadoras, algumas práticas judaizantes insistem em bater a nossa porta
nos dias de hoje.
Falsos
Cristos e falsos profetas
Vez ou outra aparece alguém com ideias
absurdamente loucas, se autoproclamando um emissário de Deus, um profeta
especial ou até mesmo Cristo. Na Sibéria, por exemplo, um homem chamado Sergei
Torop passou por uma experiência mística em Maio de 1990. Nessa ocasião, ele
alega ter recebido uma revelação de que é a reencarnação de Jesus e tem
arrebatado milhares de seguidores pelo mundo.
Além dele, outros homens fizeram a mesma
exposição. Podemos destacar o inglês David Shapler, o americano Ernest L.
Norman, o cômico brasileiro INRI Cristo, o suicida Jim Jones, o japonês já
morto Shoko Asahara, o americano Michel Travesser e o porto-riquenho José Luís
de Jesus Miranda (o mais perigoso entre eles).[17]
Champlin ainda enumera pelo menos seis
falsos Cristos da antiguidade, a saber: Teudas (44 d.C.), Barcocabe (132 d.C.),
Moisés cretense (400 d.C.), Davi Alroy (1160 d.C.), Asher Lammlein (1502 d.C.)
e Sabbethai Zebi (1625-1676 d.C.).[18]
Desde o século XIX podemos também destacar outros nomes: John Nichols Thom
(1799-1838), Arnold Potter (1804-1872), Bahá’u'lláh (1817-1892), William W.
Davies (1833-1906), Mirza Ghulam Ahmad, (1835-1908) e Lou de Palingboer
(1898-1968).[19]
Outra pessoa que teve certa
expressividade no Brasil foi o fundador da Igreja da Unificação, o Reverendo
Sun Myung Moon. Ele alegava ter sido comissionado pelo próprio Jesus enquanto
ainda era um espírito vagante para completar a missão messiânica, pois Cristo
não teria conseguido termina-la por completo. [20]
O unificacionismo ensina que a missão de Cristo era estabelecer uma nova
humanidade, casando-se e tendo filhos purificados da natureza satânica
implantada no homem através da queda de Adão.[21]
A culpa da missão inacabada de Cristo era de João Batista que deveria ter
seguido Jesus logo após batiza-lo. Dessa forma, Moon se auto declarava o
paracleto de Deus.
Entre os anos 120 e 180 da era cristã,
viveu Montano, um profeta da Frígia que tinha profecias e revelações sobre a
segunda vinda, além de outras ideias inovadoras. Ele denominou-se o
“paracleto”, isto é, aquele em quem se iniciaria e se findaria o ministério do
Espírito Santo. Ele acreditava ser o consolador prometido.[22]
Tertuliano, um dos mestres da igreja acabou se aliando ao montanismo no final
de sua vida.
Batalha
Espiritual
Existe um movimento no evangelicalismo pós-moderno
que trouxe consigo uma gama de heresias problemáticas. Estamos nos referindo ao
movimento de batalha espiritual. Este movimento consiste em enfatizar a guerra
que os crentes enfrentam a todo o momento com satanás e suas hostes malignas.
Possui uma visão dualística do reino de Deus.
A existência de anjos, demônios e de
tentativas do inimigo de nossas almas em frustrar a propagação do Evangelho é
inegável. Paulo estava preso quando escreveu sua epístola aos efésios e nessa
ocasião tranquilizou-os sobre sua situação. O fato de ter sido preso não
deveria desmotivar os demais irmãos na continuação da missão da Igreja.
Destarte, ele avisa àqueles irmãos que, embora ele tenha sido perseguido pelos
soldados romanos, seus reais adversários não eram eles e sim as hostes
espirituais da maldade (Ef 6.12).
Não era necessário tomar espadas e
combater líderes religiosos, políticos, soldados ou pessoas que não criam na
mensagem de Boas Novas. Aliás, as armas da milícia de Cristo não são carnais,
mas espirituais e poderosas o suficiente para derrubar raciocínios errados, bem
como todo baluarte que se ergue contra o conhecimento de Cristo (2 Co 10.4,5).
Após observar os soldados que lhe
guardavam no cárcere, Paulo ainda compara suas armas com nosso equipamento
bélico espiritual. Ao invés de uma couraça de metal, devemos utilizar a couraça
da justiça. Verdade ao invés de cinto. A pregação do Evangelho a toda criatura
ao invés de sandálias de couro. A Palavra de Deus ao invés de um gládio romano.
A fé ao invés de um escudo. Uma mente renovada em Cristo ao invés de um
capacete.
O movimento da batalha espiritual é cheio de
ramificações. O Dr. Augustus Nicodemus cita em seu livro “O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual” um estudo do
Professor do Christian Counseling &
Educational Foundation (CCEF), David Powlison, no qual são citadas quatro
linhas do movimento em questão: 1) Os carismáticos, representado dentre várias
personalidades por Benny Hinn; 2) Os dispensacionalistas, de orientação
não-carismática, com uma filosofia menos fantástica e mais concentrada em
aconselhamento pastoral e oração em favor pelos oprimidos, cujos proponentes
mais conhecidos são Mike Bubeck e Merril Unger; 3) Uma linha mais moderada com
representantes como Neil Anderson, Timothy Warner e Ed Murphy e 4) a que tem
mais popularidade no Brasil, identificada com o diretor de Escola de Missões Mundiais do Seminário
Fuller, C. Peter Wagner [23].
As principais controvérsias do movimento de batalha
espiritual, são portanto, ensinos como mapeamento espiritual, espíritos
territoriais, quebra de maldições, maldições hereditárias, transferências de
espíritos, terceirização da culpa pelo pecado (tudo passa a ser culpa do diabo,
inclusive as obras da carne), revelações demoníacas, criaturas místicas e
folclóricas (lobisomens, vampiros e zumbis), supervalorização dos demônios em
detrimento de Cristo, bem como atribuições de super poderes às hostes do mal.
O movimento da batalha espiritual acaba por resgatar
um tipo de heresia que já foi combatida há séculos pela Igreja: o Maniqueísmo.
Esse foi o movimento fundado por Mani, que foi considerado com o último dos
gnósticos. Ele nasceu por volta de 216 d.C. na Babilônia e ensinava que Deus
usou diversos servos, como Buda, Zoroastro, Jesus e, finalmente, ele mesmo, o
profeta final (paracleto, como ele afirmava).
Dizia, ainda, que o universo é dualista, isto é,
existem duas linhas morais em existência, distintas, eternas e invictas: a luz
e as trevas. Segundo os maniqueístas, essas duas forças cósmicas eram iguais,
porém, opostas entre si.[24] As ideias de Mani foram
refutadas por Orígenes e Agostinho, sendo ainda rejeitadas pela Igreja por
contrariar a Soberania de Deus em controlar todas as coisas, além de ser
satanás uma mera criatura, diferentemente da forma como o consideravam.
Apesar dos exageros do movimento de guerra
espiritual, “precisamos nos guardar contra dois perigos extremos. Não podemos
tratá-lo com muita leviandade, para não subestimar seus perigos. Por outro
lado, também não podemos nos interessar demais por ele”. [25]
Finalizando esta seção, é válido
comentar que, a Bíblia afirma ainda que o adversário das nossas almas é astuto,
isto é, possui uma habilidade para enganar as pessoas de forma inteligente e
usa de ciladas, armadilhas bem elaboradas, como fez com Eva no jardim do Éden
(Gn 3.1; Ef 6.11).
Todavia, o diabo não é invencível. Jesus
riscou o escrito de dívida que era contra nós, cravando-o na cruz, onde
despojou os principados e as potestades, exibiu-os publicamente e deles
triunfou (Cl 2.14,15). Além disso, aguardamos o cumprimento da promessa de que
“o Deus de paz em breve esmagará a Satanás debaixo dos nossos pés” (Rm 16.20 –
paráfrase de nossos em vossos).
A
divindade de Cristo
As principais heresias cristológicas dos
tempos hodiernos são as das Testemunhas de Jeová. Esequias Soares escreveu uma
excelente obra esgotando cada uma das controvérsias jeovistas. As TJ’s não
creem que Jesus é Deus e traduziram Jo 1.1 como sendo Jesus “um deus”,
admitindo uma espécie de henoteísmo, isto é, um politeísmo em que existe um
deus superior a outros deuses súditos menores do que ele.[26]
Na concepção jeovista, portanto, Jesus é
um deus inferior a Jeová, bem como criatura sua. Essa alegação fica ainda pior
quando admitem satanás sendo um terceiro deus, baseados em 2 Co 4.4. Jesus e
Cristo são duas coisas distintas na concepção das TJ’s. Ele teria se tornado
Cristo somente após o batismo no Jordão. Depois de sua morte, o Jesus de Nazaré
terrestre não fora ressuscitado, isto é, não houve ressurreição corporal,
apenas espiritual. Afirmam, ainda, que a verdadeira identidade de Jesus é
outra. Ele seria na verdade o Arcanjo Miguel.[27]
Uma vez negada a divindade de Cristo, a
doutrina cristã da Trindade fica ausentada de uma pessoa, Cristo. Mas não é
apenas Ele que fica fora de Seu posto. O Espírito Santo também. Para a doutrina
jeovista, o Espírito Santo é nada mais, nada menos que uma força ativa
impessoal.
Além disso, eles negam alguns atributos
incomunicáveis de Deus (entenda-se aqui Jeová), alegando que Ele não é
onipresente porque tem morada e não é onisciente porque não sabe o futuro e não
sabia o resultado da prova de Abraão.[28]
Não é objetivo deste artigo analisar as
heresias da Sociedade Torre de Vigia, pois além de falta de espaço sairia de
nosso propósito inicial. Entretanto, como se vê, as TJ’s afetam não apenas
doutrinas cristológicas, mas paracletológicas, teontológicas, soteriológicas,
hamartiológicas e escatológicas também. Isso sem falar de outras heresias não
citadas.
Destarte, mostraremos que as heresias
expostas aqui possuem considerável tempo de existência e embora tenham sido
descartadas pelos primeiros cristãos, sofreram mutações e fundições no arraial
jeovista.
A primeira delas foi a controvérsia
conhecida como arianismo. Ário foi presbítero de Alexandria. Ele ensinava que Jesus
Cristo era um ser criado e que encarnou num corpo humano que faltava uma alma
racional. Sua profissão de fé declarava que ele reconhecia apenas um único Deus
que é o único não gerado (auto-existente), único eterno, único sem começo,
único verdadeiro, único detentor de imortalidade, único sábio, único bom, único
juiz, etc. O Filho então, na visão ariana, seria uma criatura formada a partir
do nada e sem nenhum dos atributos incomunicáveis da divindade (sempiterno,
onipotente, onisciente, onipresente).[29]
Nestório ensinava que existiam as duas
naturezas (humana e divina), porém, negava que ambas as naturezas compunham uma
verdadeira unidade. Assim sendo, ele acabou ensinando que as duas naturezas
eram duas pessoas. Para ele, Jesus era um hospedeiro de Cristo.[30]
Os monarquianistas dinâmicos (ou adocianistas)
diziam que Cristo tinha assumido a forma divina somente após o batismo. Para
eles, Jesus era um homem comum e que depois foi escolhido ou adotado como filho
de Deus.[31]
Além das controvérsias já citadas, muitas outras confusões
foram feitas sobre a natureza de Cristo. Os ebionitas entendiam que Jesus fosse
apenas humano; Os docetas criam que Ele fosse apenas divino e que Seu
sofrimento tinha sido apenas simbólico; Os eutiquianistas (monofisistas) ensinavam,
à semelhança dos atuais localistas, uma natureza amalgamada. Os
apolinarianistas negavam a natureza humana completa de Jesus, alegando que o Logos substituiu a alma humana de
Cristo; cria-se, ainda, que Seu corpo era glorificado antes da ressurreição. Os
sabelianos (monarquianistas modalistas ou somente modalistas) diziam ser Cristo
o segundo modo das três sucessivas manifestações de Deus. Os patripassianistas,
uma variante desta última, ensinavam que o próprio Pai havia morrido na cruz
(patripassianismo).
Conclusão
Olhar para o passado nos ajuda a
refletir sobre o presente e a pensar como queremos ser no futuro. Estudar as
heresias primitivas nos capacita a entender o reflexo de suas controvérsias na
atualidade e prevenir futuros resgates do que já foi antes rejeitado.
Embora dezenas de heresias tenham sido
citadas aqui, muitas outras ainda ficaram faltando. Algumas por falta de
espaço, outras por falta de pertinência temática. Contudo, que a Igreja
continue utilizando o divino par de lentes que “coletando-nos na
mente conhecimento de Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridão,
mostra-nos em diáfana clareza o Deus verdadeiro”,[32] afinal, "A Bíblia, toda a Bíblia e
nada mais do que a Bíblia, é a religião da igreja de Cristo."[33]
Ela é efetivamente “absoluta ou obsoleta”.[34]
Notas
[1] BREESE, Dave. Conheça as marcas das seitas. Fiel,
2001, pp.18-22
[2] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Cultura Cristã,
2012, p.614.
[3] GONZALEZ, Justo.
Uma História Ilustrada do Cristianismo: a
era dos mártires. Volume I. Vida Nova, 1989 , pp. 25-28.
[4] CAIRNS, Earle
E.. O cristianismo através dos séculos.
Vida Nova, 2008, pp. 31-33.
[5] RIVERA, Paulo
B., Tradição, transmissão e emoção religiosa. Olho d’água, 2001, 234.
[6] LUTERO apud BLANCHARD,
John. Pérolas para a vida. Edições
Vida Nova, 1993.
[8] COUTO, Vinicius.
As heresias de Joseph Prince.
Disponível em: http://www.cacp.org.br/as-heresias-de-joseph-prince/. Acesso em: 27
de Setembro de 2013.
[9] KELLY, J.N.D. Patrística.
Vida Nova, 2009, p. 42.
[10] KISTEMAKER,
Simon. Comentário do Novo Testamento:
Apocalipse. Cultura Cristã, 2004, pp. 158-159.
[11] LOPES, Hernandes
Dias. Comentário bíblico expositivo de
Apocalipse. Hagnos, 2005, p. 21.
[12] CLEMENTE, Tito
Flávio. Stromata 3.4.
[14] EASTON, George. Easton’s
Bible Dictionary: Nicolaitanes. Thomas Nelson, 1897.
[15] KISTEMAKER, Simon. Op. cit., pp. 158-159.
[16] SOARES,
Ezequias. Heresias e modismos. CPAD,
2010, pp. 286-302.
[17] CASTRO, Carol. Ele está entre nós. Superinteressante, n
298 de dezembro de 2011.
[18] CHAMPLIN,
Norman; BENTES, João. Enciclopédia de
Bíblia, Teologia e Filosofia. Volume 2.
Hagnos, 1991, p. 677
[19] List of people
claimed to be Jesus. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_people_claimed_to_be_Jesus. Acesso em 28 de
Setembro de 2013.
[20] Série
Apologética – Volume IV. Instituto Cristão de Pesquisas, pp. 51-63.
[21] OLSON, Roger. História das controvérsias da teologia
cristã. Vida, pp. 229, 231-232, 241,
245.
[22] CESAREIA,
Eusébio de. Op. Cit., pp. 180-184.
[23] NICODEMUS,
Augustus. O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual. Cultura Cristã.
São Paulo. 2006, p. 30,31.
[24] Heresias
Primitivas. Artigo da Edição Especial Defesa da Fé – ICP, CD-Rom, 26/07/10.
[25] ERICKSON,
Millard J. Introdução a Teologia
Sistemática. Vida Nova. São Paulo.
1992, p. 200
[26] SOARES,
Ezequias. Testemunhas de Jeová. Hagnos, 2008, 113.
[27] Ibid, p. 114.
[28] Ibid, p. 112.
[29] KELLY, J.N.D. Op. cit., pp. 172-176; 212-218.
[30] Ibid, pp234-240.
[31] Ibid, pp. 86,
103, 239-240.
[32] CALVINO, João. Institutas. I, VI, 1.
[33] SPURGEON apud BLANCHARD, John. Op. Cit.
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