Atos 8:29-31 – “Disse o Espírito a Filipe: Chega-te e ajunta-te a esse carro. E correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías, e disse: Entendes, porventura, o que estás lendo? Ele respondeu: Pois como poderei entender, se alguém não me ensinar?
A Bíblia precisa ter mais valia em meio aos crentes no Senhor Jesus. Não entendo como alguém diz ser cristão e ao mesmo tempo não ter desejo pelo conhecimento das Sagradas Escrituras. Oséias admoestou aos apóstatas de Israel e Judá dizendo “Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor” (Os 6:3a).
Conhecer ao Senhor não se dá apenas na oração, antes, inicia-se pelo exame das Escrituras, afinal, “são elas que dão testemunho de mim (Jesus)” (Jo 5:39). Os Saduceus, uma seita religiosa judaica que floresceu a partir de cerca de 200 a.C. até a queda de Jerusalém em 70 d.C. era um grupo sacerdotal e aristocrático. Dentre suas controvérsias, não acreditavam na ressurreição, na imortalidade da alma, em anjos e demônios. Diante de doutrinas controvertidas, questionaram a Jesus acerca da lei do levirato em combinação com a ressurreição dos mortos. A resposta do Messias foi que, eles estavam errados em suas interpretações “não compreendendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22:29).
Algumas pessoas não lêem a Bíblia porque alegam não entendê-la. De fato, essa não é uma tarefa tão simples assim. Precisamos em primeiro lugar, da ajuda divina. Por isso, é que Jesus nos prometeu, dizendo: “Mas o Ajudador, o Espírito Santo a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito” (Jo 14:26). Uma boa escola teológica também nos ajuda a formar as doutrinas elementares da fé cristã. Uma boa prática para a interpretação bíblica vem das regras de hermenêutica. Hermenêutica vem do Grego hermeneutiké, a arte de interpretar. A arte de interpretar os livros sagrados; interpretação dos textos, dos símbolos; interpretação do sentido das palavras; arte de interpretar as leis. A seguir mostrarei alguns dos princípios dessa arte de interpretação, extraído do livro Lendo a Bíblia com o Coração e a Mente escrito por Tremper Longman III e publicado pela editora Cultura Cristã.
Antes de entrarmos nos princípios, permita-me usar da ilustração do livro sobre como as coisas podem ser mal interpretadas, veja a seguir:
“Numa comédia que assisti há pouco tempo, o personagem principal aproximou-se da garota de seus sonhos e perguntou-lhe: "Mary, na sua opinião, que chances teria um cara como eu de ficar com uma garota como você? "Bem, John, diria que seria uma em um milhão."Ouvindo isso, John deu um enorme sorriso. Com um grande alívio ele exclamou: "Puxa... você está dizendo que existe uma chance!"
Princípio 1: Procure a intenção do significado do autor – Observemos um exemplo de Oséias 11.1: Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu filho. Quem é o autor dessa passagem? De acordo com o primeiro verso de Oséias, é o profeta que tem esse nome. Entretanto, como podemos saber quais foram as intenções de suas palavras nesta passagem? Primeiro, conhecemos aproximadamente a época em que ele viveu. Também há um contexto mais amplo do livro todo, que nos dá uma idéia completa do que Oséias queria dizer neste verso. Quando estudamos este texto no contexto do livro todo, descobrimos que Oséias está se referindo ao êxodo descrito no livro do Êxodo. Mais adiante, podemos ler Mateus 2 e chegar ao verso 15. Lá, o escritor aplica Oséias 11.1 a Jesus como um menino retornando do Egito à Judéia. Essa referência não parece ser a intenção de Oséias. Porém, aqui devemos nos lembrar que o significado do texto reside na intenção de Deus, seu autor último. À medida que lemos essa passagem levando em consideração todo o contexto bíblico, percebemos que Deus fez uma analogia. Profeticamente, ele está relacionando Israel (os filhos de Deus sendo libertos do Egito) com Jesus (o Filho de Deus, que vem do Egito). Este é um modelo que percorre todo evangelho de Mateus. Perceba que este princípio reconhece que existe um significado no texto. Esse é um ponto importante na nossa era de relativismo. Um grande número de intérpretes estudiosos da Bíblia, na sua maioria professores de universidades, sugerem que a Bíblia não estabeleceu nenhum significado e que podemos ler nela o que desejarmos. Pelo contrário, quando interpretamos a Bíblia, buscamos aquilo que o autor quis dizer originalmente, ao invés de impor o nosso significado. Quando a interpretação do leitor entra em conflito com a intenção do autor, a interpretação do leitor é errônea.
Principio 2: Leia a passagem dentro do seu contexto – O contexto inclui mais do que apenas os parágrafos que vêm antes e depois de um texto. Inclui um cenário histórico temático muito mais amplo. Por exemplo: considere Gênesis 50.20, quando José disse: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida." Se você observar o contexto imediato, veremos que ele está falando com seus irmãos imediatamente após a morte de seu pai. Para compreender a que ele está se referindo, precisamos ler o contexto todo da história de José em Gênesis 37.1-50. Apenas desta maneira veremos que os irmãos de José o venderam aos mercadores midianitas, que o levaram ao Egito. Também observamos como Deus usou más ações humanas para colocar José numa posição de poder e, finalmente, permitiu que ele salvasse a sua família. Entretanto, há um contexto maior a considerar. Se lermos Gênesis 50.20 à luz de todo o livro de Gênesis, resgatamos a promessa que Deus deu a Abraão — a respeito da terra e dos seus inúmeros descendentes. Sem dúvida alguma, José reflete o passado e suas declarações mostram a sua consciência de que Deus havia dirigido a má intenção de seus irmãos, a fim de preservar a linha familiar e de cumprir as promessas de Deus feitas a Abraão.
Princípio 3: Identifique o gênero da passagem – À medida que lemos de Gênesis a Apocalipse, passamos por histórias, leis, poesias, sabedoria, profecia, evangelhos, epístolas e literatura apocalíptica. E quando conhecemos o estilo — o gênero — da literatura que estamos lendo, podemos entendê-la melhor. Lemos história com uma postura diferente de quando lemos uma poesia. Gêneros diferentes evocam expectativas e estratégias de interpretação diferentes. O gênero é um conceito tão importante para que possamos fazer uma leitura adequada das Escrituras, que devotamos o resto desse livro à exploração dos principais estilos da literatura bíblica. Pela ordem, examinaremos como a história, leis, sabedoria e poesia, profecia e literatura apocalíptica, evangelhos e parábolas, e cartas deveriam ser interpretadas. Cada estilo nos leva, de diversas maneiras, a um encontro com Jesus Cristo.
Princípio 4: Considere o pano-de-fundo histórico e cultural da Bíblia – A Bíblia foi escrita em um tempo e numa cultura muito diferente da nossa. Isto posto, para descobrir o significado do autor, temos que aprender a ler como se fôssemos um dos seus contemporâneos. Como fazer isto? A maioria de nós recorre a comentários e outras ferramentas de ajuda. Esses livros podem nos proporcionar uma visão do pano de fundo cultural e histórico dos escritos bíblicos
Princípio 5: Atente à gramática e à estrutura da passagem – Um estudo sério da gramática e sintaxe (estrutura) devem ser baseados na língua original em que o texto foi escrito. A maioria dos leitores da Bíblia não sabe hebraico, língua em que o Antigo Testamento foi escrito e nem o Grego do Novo Testamento. Por essa razão, ter uma cópia literal de uma tradução é muito útil para que possamos fazer um estudo sério da Bíblia. Novamente, repito que para se ter uma melhor compreensão do texto original devemos usar o método da comparação de um grande número de traduções. Um bom comentário baseado no hebraico ou grego tem um valor inestimável para fazer uma análise relacional entre a gramática e estrutura. Acrescento, ainda, a importância do uso de dicionários bíblicos para as pessoas que têm dificuldades de entendimento e sobretudo, uma leitura pausada e dentro do contexto. Um bom exemplo disso é o texto de 1 Co 14:32: “pois os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas”. Já vi muitos pastores dizendo que o Espírito Santo é sujeito aos profetas, mas o texto é claro: o espírito do profeta é sujeito a ele mesmo, isto é, eu consigo dominar a mim mesmo; Se o Senhor me entregar uma profecia posso decidir entregá-la naquele momento como outro dia, pois meu espírito sujeita-se a mim mesmo. O Espírito Santo, por sua vez, é Soberano, age quando quer, em quem quiser e da forma que bem entender, não precisa nos consultar.
Princípio 6: Interprete a experiência à luz das Escrituras, e não vice-versa – Muito freqüentemente, distorcemos o significado da Bíblia, permitindo que nossas experiências moldem nossa compreensão de uma passagem ao invés do contrário. Muitos leitores tiram a passagem de seu contexto para apoiar as suas teorias doutrinárias, ignoram o restante dos ensinos bíblicos e argumentam que a sua "verdade" é a mesma da Bíblia. Por exemplo, se o compartilhar da minha fé é algo constrangedor, posso inventar uma desculpa para não evangelizar usando uma passagem que fala do amor de Deus. Poderia citar 1 Coríntios 13 e muitas outras passagens para mostrar que Deus e amor são quase sinônimos. E, assim, poderia argumentar: "Se Deus é amor, como ele poderia condenar alguém ao inferno?" Desta maneira, sairia bem dessa difícil situação e não haveria necessidade de dizer às pessoas sobre Jesus, apesar de todo o ensino bíblico ser claro a respeito do pecado, julgamento e inferno. Precisamos combater o empirismo e o pragmatismo.
Princípio 7: Busque sempre o consenso integral das Escrituras – Nunca devemos ler passagens isoladas de todo o contexto das Escrituras. Apesar de muitos autores humanos terem contribuído para escrever a Bíblia, Deus é o seu Autor último. E, ao mesmo tempo em que a Bíblia é uma antologia de muitos livros, ela também é um só livro. A Bíblia contém muitas histórias, mas todas elas contribuem para uma única história. Conseqüentemente, devemos ler uma passagem, ou até mesmo um livro da Bíblia, no contexto do corpo do ensino e doutrina que flui da história completa da revelação progressiva na Palavra de Deus. As principais seitas e heresias têm começado de interpretações errôneas de textos isolados, fora do contexto da Bíblia como um todo.