quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Amei Jacó e odiei Esaú: o que isso significa?

Amei Jacó e odiei Esaú: o que isso significa?[1]

Embora Deus seja justo e fogo consumidor, esses atributos são muito diferentes de ódio. É preciso diferenciarmos a ira de Deus de ódio. Ira é um sentimento natural, algo espontâneo, uma espécie de mecanismo emocional para externar nossa indignação ou insatisfação com algo. A ira não é pecado, mas existe limite para a mesma. Se ela sair do controle pode fazer com que cometamos atos impensados e fatais. Podemos citar dois exemplos bíblicos sobre isso: o primeiro é o caso de Jesus com os cambistas que ficavam no templo. Nosso Mestre ficou tão indignado que derrubou mesas, cadeiras e expulsou os negociantes que ali estavam (Mt 21.12,13). O segundo exemplo consta em Efésios 4.26: “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” Como se pode ver, irar não é pecado, mas existe um limite que deve ser controlado por nossa inteligência emocional, isto é, nosso domínio-próprio (Gl 5.22,23).
Já o ódio é algo completamente diferente. Trata-se de um sentimento que ultrapassou o limite da ira e faz com que o indivíduo fique nutrindo maus desejos contra outrem. O ódio faz com que a pessoa fique planejando alguma vingança, ou que fique maquinando o mal contra terceiros. O ódio deixa de ser natural e passa a ser uma forma de tramar conscientemente o mal. Por isso, Deus não pode odiar, pois isso faria com que Ele tomasse decisões malignas e pecaminosas. As Escrituras dizem claramente que Deus amou o mundo ao invés de “odiou o mundo.”
É óbvio que existem inúmeras referências bíblicas de Deus odiando algo ou alguém, mas o sentido desse ódio tem a ver com indignação, com o repúdio de certas práticas, com detestar a iniquidade e com o ficar aborrecido com aquilo que é pecado. O verbo odiar em hebraico é sānê e ocorre 147 vezes no Antigo Testamento com suas derivações. Citando alguns exemplos, podemos abordar Malaquias 2.16 onde diz que Deus odeia o divórcio. Odiar o divórcio tem sentido de repudiar esse ato e não de nutrir um sentimento vingativo contra tal ato. O mesmo acontece em Provérbios 8.13, onde é dito que a soberba, a arrogância, o mau caminho e a boca perversa são odiados. Em Amós 6.8 Deus odeia os palácios de Jacó e sua soberba. Jeremias 44.4 mostra que Deus odeia a idolatria.
Finalmente, Malaquias 1.3 diz que Deus odiou a Esaú. Será que Deus odiou a Esaú no sentido de nutrir uma ira compulsiva, fora dos limites? Um ódio que leva alguém a maquinar uma vingança, conforme descrito mais acima? Certamente que o sentido de “odiar” em Malaquias se refere a Deus estar aborrecido com a desobediência dos Edomitas e não com Esaú propriamente dito. As evidências de que Deus não está falando do indivíduo Esaú são inúmeras. Em primeiro lugar, o contexto imediato: no versículo 1 é dito que a palavra é dirigida a Israel (nação). No verso 2 os israelitas questionavam quando alguém dizia que Deus os ama e para dar a constatação desse amor o Senhor fala metaforicamente que amou a nação de Israel, representada pelo patriarca Jacó, e aborreceu-se de um povo que saiu da mesma descendência abraâmica, a saber, os edomitas (representada por Esaú). De onde vem a causa desse repúdio? Explico nas linhas abaixo:
Os hebreus passaram maus bocados no Egito enquanto serviram como escravos por 430 anos. Após serem libertos, seguiam rumo à terra prometida guiados por Moisés. Para chegarem ao destino, precisavam passar pela terra de Edom e Moisés enviou mensageiros solicitando passagem. Em sua mensagem, Moisés até apelou para o argumento fraternal, dizendo: “Assim diz teu irmão Israel: (...) Deixa-nos passar pela tua terra” (Nm 20.14,17). Moisés promete que os hebreus não comeriam nada da terra de Edom e que nem mesmo a água deles beberiam.
Mas, os descendentes de Edom (Esaú) não foram solícitos quando o povo hebreu precisou atravessar a terra deles. Pelo contrário, a resposta do rei dos edomitas foi que eles não podiam passar por lá, pois se o fizessem seriam atacados (Nm 20.18). Moisés até tentou contra-argumentar, pedindo mais uma vez com a promessa de que se alguém descumprisse o acordo e comesse ou bebesse, que os hebreus dariam seu gado como compensação (Nm 20.19). Mas Edom foi incisivo em sua resposta: “Não passarás!” Além da resposta áspera, eles saíram “ao encontro [dos hebreus] com muita gente e com mão forte” (v.20). Mesmo com tal ato de covardia, Deus prescreve que os hebreus não fizessem o mesmo. Ao invés disso, Ele disse em ocasião posterior: “Não rejeitem o edomita, pois ele é seu irmão.” (Dt 23.7).
Deus abomina esse tipo de tratamento, afinal, “Quem sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4.17). Os edomitas foram insensíveis e bárbaros, cometeram terrível crueldade, mas Deus, em sua justiça, puniria Edom fazendo-os servos de Israel. Essa profecia foi feita pela primeira vez enquanto Rebeca estava grávida: “Duas nações estão em seu ventre, já desde as suas entranhas dois povos se separarão; um deles será mais forte que o outro, mas o mais velho servirá ao mais novo” (Gn 25.23 – grifos meus).
A segunda vez em que essa profecia foi dita ocorreu quando Balaão empreendeu um esforço inútil lançando feitiços contra Israel. Deus revela que “Uma estrela surgirá de Jacó; um cetro se levantará de Israel. Ele esmagará as frontes de Moabe e o crânio de todos os descendentes de Sete. Edom será dominado; Seir, seu inimigo, também será dominado, mas Israel se fortalecerá.” (Nm 24.17,18).
As duas profecias se cumprem nos dias de Davi, quando seu exército travou uma batalha sangrenta e matou dezoito mil soldados de Edom no Vale do Sal “sujeitando todos os edomitas a Davi” (1 Cr 18.13; 2 Sm 8.14). Paulo chega a citar a primeira profecia em Romanos 9.12. Os calvinistas gostam de Romanos 9 e com toda freqüência alegam que este capítulo trata da eleição individual, mas o texto claramente fala acerca de nações e não indivíduos. Em outras palavras, trata da eleição corporativa e não individual. Um das evidências disso é o que o versículo que destaquei diz: “O maior servirá o menor.” (Rm 9.12). Sabemos que o maior (Esaú) nunca serviu ao menor (Jacó) enquanto viveu. A profecia dizia respeito às nações, conforme vimos neste parágrafo, quando os edomitas foram sujeitos a Israel.
Outro texto prova de que os edomitas se tornaram servos de Israel encontra-se nas passagens paralelas de 2 Rs 8.20 e 2 Cr 21.8: “Nos dias de Jeorão, os edomitas rebelaram-se contra o domínio de Judá, proclamando seu próprio rei.” Quando os judeus enfrentavam o cativeiro babilônico, os edomitas se deleitavam nesse momento trágico e desejavam que eles fossem completamente destruído. Esse episódio é dito no Salmo 137.7: “Lembra-te, Senhor, contra os edomitas, do dia de Jerusalém, porque eles diziam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces.” Em função dessa rebelião, as Escrituras apresentam profecias imprecatórias posteriores contra Edom. São elas:

Assim diz o Senhor Deus: Pois que Edom se houve vingativamente para com a casa de Judá, e se fez culpadíssimo, vingando-se deles. 13 portanto assim diz o Senhor Deus: Também estenderei a minha mão contra Edom, e arrancarei dele homens e animais; e o tornarei em deserto desde Temã; e cairão à espada até Dedã. E exercerei a minha vingança sobre Edom, pela mão do meu povo de Israel; e farão em Edom segundo a minha ira e segundo o meu furor; e conhecerão a minha vingança, diz o Senhor Deus. (Ez 25.12-14)
O Egito se tornará uma desolação, e Edom se fará um deserto assolado, por causa da violência que fizeram aos filhos de Judá, em cuja terra derramaram sangue inocente. (Joel 3.19)
Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Tiro, sim, por quatro, não retirarei o castigo; porque entregaram todos os cativos a Edom, e não se lembraram da aliança dos irmãos. (...) Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Edom, sim, por quatro, não retirarei o castigo; porque perseguiu a seu irmão à espada, e baniu toda a compaixão; e a sua ira despedaçou eternamente, e conservou a sua indignação para sempre (Am 1.9,11)

Para concluir essa seção, reforçamos que a idéia de que Deus ame alguns para a salvação e odeie outros para a perdição não coaduna com as Escrituras, afinal, elas revelam que Deus não tem prazer na morte do ímpio (Ez 33.11). A missão de Cristo reforça que Ele veio salvar o que se tinha perdido (Mt 18.11; Lc 19.10) e que Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (Jo 3.17).
Em seu sermão Livre Graça, Wesley dizia: “nenhuma passagem bíblica diz que Deus não é amor.”[2] Armínio enfatiza isso em seus debates com William Perkins e Gomaro, afirmando: “Nenhuma criatura racional foi criada por Deus com essa intenção, para que sejam condenadas.”[3]  O remonstrante Simão Episcópio reforçou a mesma idéia quando declarou que Deus não pode desejar causar o mal porque “Ele é o bem supremo, tanto em si mesmo como também para suas criaturas.”[4]


Notas


[1] Este texto é um excerto da obra: COUTO, Vinicius. Em favor do Arminianismo-Wesleyano: um estudo bíblico, teológico e exegético de sua relevância na contemporaneidade. São Paulo: Reflexão, 2016.
[2] WESLEY, John. Op. Cit., Livre Graça.
[3]ARMÍNIO Apud OLSON, Roger. Op. Cit., p. 134
[4] EPISCOPIUS, Simon. Confession of Faith of those Called Arminians. Londres: Heart & Bible, 1684, pp.84,85.

3 comentários:

  1. Excelente post pastor... esclarecedor e pautado no real entendimento da palavra.

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  2. Pastor Deus é muito bom, o seu post só veio confirmar aquilo que eu tinha entendido a respeito do assunto lendo a bíblia a respeito do assunto.

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