Introdução
Um dos
assuntos que fazem parte do rol de temas polêmicos do estudo das Escrituras
Sagradas é a respeito do que conhecemos como Livro da Vida. Existem pessoas que
não crêem na existência literal desse livro. Outros crêem que ele, de fato, é
real e que contém o nome das pessoas que serão salvas. Se esse livro existe,
quando foi escrito? Seria possível que ele ainda estivesse sendo escrito? Os
nomes inscritos nesse livro divino podem ser riscados ou eles possuem um
caráter inapagável? Essas dúvidas são corriqueiras em neófitos, mas também
deixam os mais eruditos estudiosos de cabelo em pé.
O objetivo
do presente artigo é apontar algumas considerações sobre o assunto, tendo como
ponto de partida o que a Bíblia fala a respeito. Na medida em que o assunto
avançar, serão realizadas algumas análises exegéticas do texto grego com a
finalidade de ampliar o entendimento acerca desse assunto tão importante.
Pretende-se com essas abordagens bíblicas e exegéticas, averiguar quando os
nomes foram escritos e pensar se tais nomes podem ou não ser riscados. Não
obstante, é preciso reconhecer que este é um dos temas da teologia que não
possui unanimidade e, portanto, não é objetivo deste ensaio chamar para si o
título de detentor da verdade.
Referências bíblicas do Livro da Vida
Antes de
mais nada, é mister reconhecer que a Bíblia referencia a existência de um livro
da vida. Em Filipenses 4.3 Paulo comenta que os cooperadores que lutaram ao seu
lado pela causa do Evangelho têm seus nomes escritos nesse livro. As demais
referências diretas do Novo Testamento estão concentradas no livro de
Apocalipse. No capítulo 3 e verso 15, Jesus diz que “O vencedor será igualmente
vestido de branco. Jamais apagarei o seu nome do livro da vida, mas o
reconhecerei diante do meu Pai e dos seus anjos.”
Em
Apocalipse 13.8 é possível ler que esse livro é do Cordeiro de Deus e que
algumas pessoas não tiveram o nome escrito nele. Em 17.8 a idéia anterior de
pessoas que não tiveram o nome inscrito neste livro é corroborada e aqui o
texto sugere que tal livro foi escrito desde a fundação do mundo, assunto que
será melhor abordado em seção adiante. Em 20.12 João tem uma visão na qual uma
massa de pessoas, i. e, uma multidão de mortos (grandes e pequenos) se
colocavam diante do trono e vê dois tipos de livros: um que provavelmente alude
ao modus vivendi desses indivíduos
enquanto estavam vivos e outro que ele denomina como “livro da vida.” O momento
apocalíptico dessa visão se refere ao juízo final e, portanto, as pessoas cujos
nomes não são encontrados no livro da vida, são condenadas ao lago de fogo.
No capítulo
21 João tem a visão da Nova Jerusalém. Ele a descreve como sendo um local muito
belo, com muralhas e ornamentações de pedras preciosas, além de ruas de ouro.
Lá não há sofrimento, choro, lágrimas, tristeza, dor e nem mesmo a morte. Não é
preciso de sol, pois Cristo é a luz que ilumina. Todavia, João alerta seus
leitores no versículo 27: “Nela jamais entrará algo impuro, nem ninguém que
pratique o que é vergonhoso ou enganoso, mas unicamente aqueles cujos nomes
estão escritos no livro da vida do Cordeiro.”
O Novo
Testamento ainda mostra mais duas passagens que podem ser relacionadas com o
citado livro da vida. A primeira passagem é Hebreus 12.22,23, onde o autor da
epístola alega que existe uma igreja dos primogênitos. Sua localização é
celestial e os detalhes desta localização corroboram com a visão que João teve
da Nova Jerusalém em Apocalipse 21. Os nomes dos membros dessa igreja celeste “estão
escritos nos céus” (Hb 12.23).
A segunda
passagem é um relato de Lucas a respeito de quando o Messias envia os
discípulos em dupla para um treinamento prático sobre proclamação do Evangelho.
Eles anunciaram as boas novas e voltaram maravilhados, pois coisas
extraordinárias aconteceram. “Os demônios se submetem a nós,” disseram eles
estupefatos com a autoridade que há no nome de Jesus. Mas, Jesus, ao
corrigir-lhes, declarou: “alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a
vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céu” (Lc 10.20).
Referências
sobre tal livro não se limitam aos escritos neotestamentários. Após a morte de
aproximadamente três mil israelitas no acampamento ao pé do monte Horebe,
Moisés sobe novamente no monte a fim de interceder pelo pecado de idolatria do
povo, quando confeccionaram um bezerro de ouro e blasfemaram dizendo que fora
este objeto feito por mãos humanas quem os livrou do Egito. A intercessão de
Moisés foi: “...perdoa-lhes o pecado; se não, risca-me do teu livro que
escreveste.” Um pedido completamente ousado que trouxe uma resposta imediata do
Deus Todo-Poderoso: “Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim”
(Êx 32.32,33).
Num Salmo
de lamentação, Davi se rasga o coração diante de suas tribulações e
adversidades. Ele se sente atolado de problemas até o pescoço e alega estar
deixando a vida o levar, como alguém que é carregado pela correnteza. Quem
nunca se sentiu assim? Todavia, a partir do versículo 7 ele começa a revelar
uma das razões de sua profunda tristeza. Ele alega que suportava zombaria,
insultos, maledicências e o terrível fato de ter seu nome como objeto de
sarcasmo na boca dos bêbados da cidade. Isto posto, Davi clama pela justiça
divina, dizendo a respeito dos que o perseguiam: “Acrescenta-lhes pecado sobre
pecado; não os deixes alcançar a tua justiça. Sejam eles tirados do livro da
vida e não sejam incluídos no rol dos justo” (Sl 69.27,28).
Finalmente,
duas últimas passagens veterotestamentárias que podem fazer alguma alusão mais
indireta ao livro da vida são as visões que Daniel tem do juízo final e da
grande tribulação, respectivamente. No primeiro caso ele tem uma visão
semelhante à que João teve em Apocalipse 20.12 e vê tronos sendo postos num
lugar e um Ancião de vestes brancas como a neve e cabelos brancos como a lã.
Seu trono ardia em fogo e tinha a parte inferior incandescente, semelhantemente
aos pés como latão reluzente de Apocalipse. Daniel continua descrevendo essa
cena, dizendo que “saía um rio de fogo, de diante dele. Milhares de milhares o
serviam; milhões e milhões estavam diante dele. O tribunal iniciou o
julgamento, e os livros foram abertos” (Dn 7.10). No segundo caso, Daniel vê um
tempo de angústia como nunca houve na história humana e relata que neste tempo,
“ocasião o seu povo, todo aquele cujo nome está escrito no livro, será liberto”
(Dn 12.1).
Quando os nomes são escritos nesse livro?
Algumas
pessoas usam Apocalipse 13.8 para apontar quando o livro da vida foi escrito,
entretanto, o texto em questão aponta para outra coisa. Antes de analisar a
passagem, é melhor citá-la: “Todos os habitantes da terra adorarão a besta, a
saber, todos aqueles que não tiveram seus nomes escritos no livro da vida do
Cordeiro que foi morto desde a criação do mundo.”
Como se
pode perceber, o apontamento temporal “desde a fundação do mundo” não está se
referindo, no contexto imediato desta passagem, ao livro da vida e sim a Jesus,
o cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. Stern concorda com isso e
afirma que “Deus planejou a morte expiatória dele antes da criação do mundo.”[1] Não
que o livro aqui não tenha importância. Ele tem. João enfatiza que seu dono é o
Cordeiro! Outra informação importante é a ocorrência do verbo “Foi,” que no
grego é esphagmenou e está no tempo
aoristo, o que indica algo instantâneo.
Sobre o
tempo aoristo na gramática grega, Wiley comenta que, no nosso idioma “não há
tempo semelhante na conjugação verbal,” pois trata-se de algo que é feito de
modo instantâneo e de uma vez por todas e não gradativamente.[2] O
verbo no aoristo faz toda a diferença por dois motivos: 1) porque Jesus não foi
morto várias vezes! 2) porque o texto semelhante, localizado em Apocalipse
17.8, usa o verbo em outro tempo gramatical grego, que é o perfeito e isso no
contexto imediato aponta para outro lado, conforme será visto logo a seguir.
A fim de
analisar a passagem de Apocalipse 17.8, segue a citação da mesma: “A besta que você
viu, era e já não é. Ela está para subir do abismo e caminha para a perdição.
Os habitantes da terra, cujos nomes não foram escritos no livro da vida desde a
criação do mundo, ficarão admirados quando virem a besta, porque ela era, agora
não é, e entretanto virá.”
A locução
prepositiva grega “apo kataboles kosmou”
significa “desde a fundação do mundo” e denota uma considerável diferença entre
“antes da fundação do mundo,” pois “desde” fala da inserção dos nomes a partir
da criação do mundo, i.e, desde Adão até os dias presentes, significando que
Deus está agindo no chronos,
inserindo os nomes no livro da vida a partir da conversão das pessoas. Em
outras palavras, isso sugere que, quando a pessoa responde positivamente à
graça preveniente, Deus opera neste indivíduo – que outrora estava morto em
seus delitos e pecados – a salvação, regenerando o tal.
Ademais, o
texto diz que “os nomes não estão escritos.” Esse “estão escritos” está
conjugado no tempo perfeito do grego e a palavra ali é gegraptai. O tempo perfeito é usado numa ação que foi completada no
passado e que está ocorrendo no presente. Esse tempo não tem correlato em
português. É como se os nomes fossem conhecidos no kairós (haja vista os atributos naturais e incomunicáveis de Deus,
a saber: onisciência e presciência), mas estivessem sendo escritos no chronos. É algo que versa sobre o
contraste entre o tempo cósmico e o humano; o sobrenatural e o natural; o
metafísico e o físico; o objetivo e o subjetivo; o atemporal e o temporal.
“O perfeito grego [é] um tempo gramatical
aberto à evocação simbólica do além tempo.” Trata-se de “um recurso bastante
singular” e peculiar do idioma grego. Esse recurso, o tempo perfeito, “exprime a
idéia de uma ação começada no passado, mas que continua.”[3]
Corrobora com isso Bréal ao comentar que “o perfeito grego conservou sempre na
sua significação qualquer coisa que faz dele um intermediário entre o passado e
o presente,” sendo usado “para designar uma
ação passada cujo resultado dura ainda.”[4]
Um exemplo
disso é a tradução do Salmo 2.7 na versão dos setenta (LXX – a septuaginta): “hyios mou eis y, egō sèmeron gegennèka se” ([tu és]
meu filho; eu hoje te gerei). O autor da carta aos hebreus interpreta esse
verso aplicando-o a Cristo por duas vezes (Hb 1.5; 5.5). O verbo gegennèka (gerei) está no perfeito
grego. A aplicação do Salmo 2.7 no Novo Testamento tem a ver com a ressurreição
de Cristo (cf. Atos 13.33). Na perspectiva do salmista, o Messias já havia sido
gerado (ressuscitado), mas ao mesmo tempo ainda não, pois seria um anacronismo,
afinal, o Verbo só encarnou séculos depois. Por isso, o fato estava consumado
na eternidade (kairós), porém, teria
uma ação efetiva e consolidada no decorrer do tempo humano (chronos).
Outro texto
que cabe aqui a análise exegética é Hebreus 12.22-24, que de acordo com a NVI
diz assim: “Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade
do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à
igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a
Deus, juiz de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados”
O verbo
“chegaram,” logo no início do verso 22 é proselēlythate em grego.
Ele está no tempo perfeito e tem o sentido de algo que já acontecera, mas que
permanece ocorrendo. Deste modo, poderíamos dizer que o autor da epístola diz
aos hebreus crentes que eles já haviam chegado ao monte Sião, mas que continuam
a se aproximar.
No trecho
“cujos nomes estão escritos nos céus,” do verso 23, o verbo “estão” é apogegrammenōn no grego e
também está conjugado no tempo perfeito, dando o sentido de que os nomes estão
escritos desde uma era passada, mas permanecem sendo escritos numa relação
além-tempo e além-espaço, rompendo assim, com o presente mensurável e quantificável,
ligando-o, ao mesmo tempo com o presente atemporal e metafísico.
Gogues e
Talbot traduzem o versículo da seguinte maneira: “Mas vos começastes [e
continuais] a vos aproximar do Monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém
Celeste, de milhões de anjos – reunião festiva e Igreja dos primogênitos [tendo
começado e continuado a estar] inscritos nos céus – e de Deus, o juiz de todos
e dos espíritos dos justos [tendo começado e continuado a se] tornar perfeitos.”[5]
Um último
exemplo do tempo perfeito grego pode ser dado através do relato lucano acerca
de coisas ocorridas naqueles dias do ministério de Jesus. Em seu prólogo, Lucas
declara que “Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se
cumpriram entre nós” (Lc 1.1). O verbo “cumpriram” ali é peplērophorēmenōn. Lucas
mostra que Jesus havia realizado muita coisa naquela região que se dedicou a
pesquisar e os atos de Cristo deixaram uma marca muito forte. As pessoas
entrevistadas por Lucas podiam sentir o efeito das palavras e dos milagres de
Jesus anos depois.
Não é assim
também entre nós? Quando tivemos o privilégio de conhecer a Cristo
verdadeiramente e entregamos nossas vidas a Ele, algo maravilhoso ocorreu: Ele
nos regenerou e ao mesmo tempo nos justificou e adotou. Todavia, essa
experiência com Cristo não foi tão somente posicional. Ela também tem seu
caráter gradativo. Simultaneamente com a regeneração, justificação e adoção,
fomos santificados. A experiência da santificação permanece em nós e só será
consumada, definitivamente, com a glorificação.
Os nomes podem ser riscados?
A Escritura
aponta para a possibilidade dos nomes serem riscados. O primeiro exemplo a ser
tomado é Apocalipse 3.5: “O vencedor será igualmente vestido de branco. Jamais
apagarei o seu nome do livro da vida, mas o reconhecerei diante do meu Pai e
dos seus anjos.”
Como se
pode perceber, a promessa de não ter o nome riscado é para os que vencerem, i.
e., aqueles que perseverarem até o fim e que não se apostatarão. Parafraseando,
é como se Jesus estivesse dizendo “não apagarei o nome daqueles que vencerem,
daqueles que perseverarem até o fim.” Em contrapartida, é óbvia a dedução de
que se existem pessoas que perseverarão e vencerão, haverá pessoas que se
apostatarão e serão derrotadas.
O verbo
“riscar” é exaleipso e está conjugado
no tempo futuro. Algo que ainda será feito. Nomes ainda serão riscados por
Jesus enquanto outros não serão riscados e, por conseguinte, permanecerão
escritos no livro da vida. O verbo “riscar” usado no texto de Apocalipse 3
significa, em grego, aniquilar, apagar, cancelar. Tem a ver com passar tinta ou
cal a fim de apagar algo, ou com esfregar uma escrita e imprimir um selo em
alguma tabuleta de cera. Essa palavra era usada para se referir ao cancelamento
de obrigações e direitos.
Um modo
interessante de mostrar essa verdade é analisando o que Paulo disse em 2
Timóteo 4.7: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.” A NVI
já traduz a palavra grega dromon como
“corrida,” mas a maioria das outras versões em português traduzem como
carreira. Essa ilustração de Paulo é interessante porque a vida cristã é
exatamente como uma corrida. Existe o ponto de partida (conversão), o trajeto
(vida cristã e santificação) e a chegada (glorificação). Alguns vão começar
essa corrida e não a terminarão, ficarão no meio do caminho e tristemente terão
seus nomes riscados do livro da vida.
Outro texto
prova da possibilidade de ter o nome riscado é a oração intrépida de Moisés. Conforme
já foi apontado mais no início do ensaio, Moisés subiu mais uma vez no monte a
fim de interceder pelo pecado de idolatria do povo israelita, pois eles
confeccionaram um bezerro de ouro e blasfemaram dizendo que fora este objeto
feito por mãos humanas quem os livrou do Egito. A intercessão de Moisés foi:
“...perdoa-lhes o pecado; se não, risca-me
do teu livro que escreveste.” E a resposta de Deus, em seguida, foi: “Riscarei do meu livro todo aquele que
pecar contra mim” (Êx 32.32,33 – grifos meus).
Moisés não
faria uma oração dessas se ele não acreditasse na possibilidade de um nome ser
riscado do livro da vida. Outrossim, Deus não responderia essa oração afirmando
que risca somente os nomes daqueles que pecam contra ele, ou seja, daqueles que
vivem na prática contínua e habitual do pecado. Kistemaker alega que no Antigo
Testamento, a expressão “ser apagado do livro” significava “morrer.”[6]
Nessa concepção, Moisés teria dito a Deus, “perdoa o povo ou me mate.” Todavia,
Stern, que é um judeu messiânico, confirma que a crença judaica no episódio de
Moisés tinha a ver com a eternidade e não com a morte terrena e atesta, ainda,
que os judeus acreditam que “é possível sair da graça e ter o destino eterno
mudado de salvação para condenação.”[7]
Concluindo
essa seção, é interessante abordar mais uma vez o relato de Lucas a respeito de
quando o Messias enviou os discípulos de dois em dois em Seu treinamento
prático sobre proclamação do Evangelho. Esses discípulos anunciaram as boas
novas e voltaram maravilhados, pois coisas extraordinárias aconteceram. “Os
demônios se submetem a nós,” disseram eles estupefatos com a autoridade que há
no nome de Jesus. Mas, Jesus, ao corrigir-lhes, declarou: “alegrem-se, não
porque os espíritos se submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos
nos céu” (Lc 10.20).
Seria
possível um discípulo se desviar? Segundo
o dicionário VINE, discípulo é
um aprendiz, alguém que aprende com esforço, um seguidor, alguém que permanece nos
ensinos de seu mestre e finalmente, imitador. Jesus disse aos judeus que
creram em sua mensagem: “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra,
verdadeiramente serão meus discípulos” (João 8.31). Observe que nesse texto há
uma condição: “se.” Somente aquele que permanece se torna um legítimo
discípulo. Em contrapartida, Jesus deixa claro com essas palavras que é
possível não permanecer, i. e., deixar de perseverar.
Existem
inúmeras exortações para que os crentes permaneçam e perseverem na presença do
Altíssimo, bem como avisos sobre o perigo e possibilidade de apostasia (Mt
10.22; 24.12,13; 1 Co 10.12; Gl 5.4; 2 Ts 2.15; 1 Tm 4.1; 2 Tm 3.14; Hb 8.9; 10.39;
Tg 5.19,20; 1 Pe 1.5; 2 Pe 2.20-22; 1 Jo 2.24; Ap 2.11). Seria estranho que Deus
colocasse advertências contra a apostasia se isso não fosse possível acontecer.
Deste modo, um discípulo que teve o nome escrito no livro da vida, ao se
apostatar da fé, terá seu nome riscado.
Pedro
comenta de obreiros que abandonaram o caminho reto, desviando-se dele (2 Pe
2.15). Ninguém abandona algo que não experimentou e vivenciou. E ninguém se
desvia de um caminho que não estava seguindo. O Apóstolo comenta, ainda, que
esses obreiros apóstatas chegaram a escapar das contaminações do mundo por meio
do conhecimento de Jesus, mas permitiram ser dominados de novo por essa vida
deliberadamente pecaminosa e estão piores do que estavam antes de se
converterem (v. 20). Ora, somente alguém que foi regenerado é que se torna
descontaminado (purificado ou santificado) do pecado. De acordo com a crítica
de Pedro, o que provocou essa descontaminação (libertação) do pecado é foi
conhecimento de Jesus, e João testifica isso em seu Evangelho (Jo 8.32).
Paulo
atesta essa verdade (de que o regenerado escapa das contaminações do mundo) ao
mostrar que quem nasce de novo é lavado, santificado e justificado (1 Co 6.11)
e que Cristo “nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo”
(Tt 3.5). Jesus purifica sua igreja pelo lavar de água mediante a Palavra (Ef
5.26) e “se entregou por nós a fim de nos remir de toda a maldade e purificar
para si mesmo um povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras”
(Tt 2.14). A Bíblia declara que o sangue de Cristo purifica nossa consciência
de atos que levam à morte (Hb 9.14).
Deste modo,
Pedro conclui: “Teria sido melhor que não tivessem conhecido o caminho da
justiça, do que, depois de o terem conhecido, voltarem as costas para o santo
mandamento que lhes foi transmitido” (2 Pe 2.21). Tais apóstatas, na opinião
petrina, são como “o cão [que] voltou ao seu vômito” e como “a porca lavada
[que] voltou a revolver-se na lama” (v. 22).
Considerações finais
Após
refletir sobre o assunto, pode-se enumerar três informações coletadas a partir
da Bíblia em relação aos nomes do livro da vida:
1) Alguns
não tiveram o nome escrito;
2) Alguns
tiveram o nome escrito;
3) Alguns
dos que tiveram o nome escrito poderão tê-lo riscado, caso não perseverem.
Partindo
desses três pontos e de tudo o que foi considerado bíblica e exegeticamente
neste ensaio, é possível fazer uma analogia: é como se Deus tivesse uma espécie
de “cartório.” Quem nasce de novo tem seu nome registrado no livro da vida.
Quem continua morto (ou seja, que não se converte) nunca terá esse nome
escrito. Mas se esse que nasceu de novo se apostatar terá o nome apagado do
cartório de registros.
Referências
[1] STERN, David. Comentário
Judaico do Novo Testamento. Belo Horizonte: Atos, 2007, p. 900
[2] WILEY, Orton. Introdução à Teologia Cristã. Campinas:
CNP, 1990, pp. 353.
[3]
GOUGUES, Michel; TALBOT, Michel. Naquele
tempo.... Concepções e práticas daquele tempo. São Paulo: Loyola, 2004, p.
34.
[4] BRÉAL, Michel. Essai
de Sémantique. Paris: Hachete, 1924, p. 349.
[5] GOGUES; TALBOT.
Op. Cit., p. 36.
[6] KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. São Paulo: Cultura
Cristã, 2004, p. 206.
[7] STERN, David. Op. Cit., p. 921.
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