A crença de que crentes estão sendo atacados
por trabalhos de macumba, mau olhado, despachos ou coisas assim é muito comum. Vez
ou outra aparece alguém perguntando se o cristão pode “pegar” macumba.
Esse “pegar” dá a ideia de pegar uma doença,
uma maldição ou algo assim. É como se o feitiço lançado fosse propagado por um
canal invisível e atacasse o casamento, finanças, saúde, família, etc, assim
como o vírus da gripe que entra no organismo humano através das vias
respiratórias e ataca o funcionamento regular do corpo.
Milhares de brasileiros têm essa mesma dúvida
e não são poucos os que se perguntam: o que é macumba? Ela funciona? O cristão
pode ser alvo de macumbaria? Ela terá efeito na vida dele? O que a Bíblia tem a
dizer de tudo isso? Essas perguntas rodeiam muitos cristãos e pretendemos sana-las
neste artigo.
O que é macumba
A definição de macumba não é fácil de se
conseguir. A ideia popular normalmente está associada a feitiços, trabalhos
para atrasar a vida de alguém, despachos, mandingas e coisas do tipo. A ideia
geral da sociedade é que a macumba é algo malévolo, maligno e até mesmo
diabólico. Oliveira sugere que esta fama ruim possa ter sua origem na provável
“associação ao adjetivo feminino de mau: ‘má’”.[1] Na
visão dele, se fosse então “boacumba”, a religiosidade afro-brasileira poderia
ter tomado outro rumo.
Não há um significado concreto para o termo
macumba, etimologicamente falando. O wiktionary
sugere que, o termo talvez venha do quimbundo (idioma banto falado na Angola), ma (o que assusta) e kumba (soar assustadoramente). Quando se
fala nesse assunto, generaliza-se, portanto, todas as religiões
afro-brasileiras em um único termo: macumba. A ideia geral também é que essas
religiões trabalham com feitiçarias, magias, encantamentos, consulta a mortos,
bruxarias, vodus e coisas assim.
A
ideia não está de toda errada. Champlin explica que as religiões praticantes de
magias e feitiçarias partem da ideia de “que certas pessoas têm a capacidade de
manipular poderes sobrenaturais, a fim de alterar para melhor ou para pior a
sorte de alguém, tanto do próprio individuo como de outras pessoas”.[2]
Certo
representante do candomblé, por exemplo, publicou um livro em que traz ensinamentos
sobre como prejudicar outras pessoas através de feitiços e encantamentos.[3] Alguns desses feitiços
seriam: colocar uma pessoa louca, destruir, arruinar, colocar feridas, trazer
separações matrimoniais, fazer perder tudo o que tem, fazer ir embora, fazer
vingança e até mesmo matar.
Gaarder
comenta que o candomblé não é uma religião ética, mas mágica e ritualística.
Nela não há a ideia de salvação da corrupção do pecado e tampouco há espaço
para negação deste mundo em prol de uma vida eterna. “No candomblé o que se
busca é a interferência concreta do sobrenatural ‘neste mundo’ presente,
mediante a manipulação de forças sagradas, a invocação das potências divinas e
os sacrifícios oferecidos às diferentes divindades, os chamados orixás”.[4]
Embora
o candomblé adote a prática de fazer o mal explicitamente, Lourenço Braga alega
que a umbanda se dedica à prática do bem (magia branca), ao passo que a
quimbanda se dedica à prática do mal (magia negra).[5]
O
esforço de Braga cai por terra após o relato de Camargo. Segundo este, os
espíritos maus, que ele chama de “quimbandeiros” são mais fortes do que os
“bons” e diz que às vezes, os umbandistas têm necessidade de apelar para
aqueles.[6]
O
dicionário Melhoramentos define macumba como candomblé, feitiçaria e ainda como
um instrumento de percussão dos negros.[7] Trindade, sacerdote
umbandista, explica que uma das possibilidades para a origem da macumba talvez
seja a ligação que as pessoas fizeram dos praticantes das religiões afro com o
instrumento predominante de suas religiões.[8] Ou seja, como na maioria
das religiões afro usava-se o instrumento de percussão “macumba” e quem os
tocava eram “macumbeiros”, daí a fama popular genérica de que todas as
religiões afro sejam “macumba”.
Macumba
também é, popularmente associado a feitiço. Quando alguém diz “fizeram uma
macumba para meu vizinho”, ele está na verdade dizendo que fizeram um trabalho
de feitiçaria (macumbaria) contra aquela pessoa.
A macumba na sua forma
primitiva
De acordo com Oliveira, alguns pensadores da religião
acreditam que a umbanda deriva-se dos cultos hindus e egípcios, além de outros
povos da antiguidade.[9]
Champlin comenta que, “a magia desempenhava um papel dominante nas religiões da
Babilônia, do Egito, de Roma, do hinduísmo brâmane e nas formas tântricas tanto
do hinduísmo quanto do budismo”.[10]
Lourenço Braga definiu a
umbanda da seguinte forma: “umbanda é magia, e fazer magia é saber jogar com as
forças ocultas existentes no Universo, quer sejam elas providas de espíritos de
categoria diferentes, quer sejam de vibrações provindas de planetas, em ondas
diversas; quer sejam elas emanadas dos corpos: fluídico, eletrônico, gasoso,
líquido e sólido; quer sejam elas provindas dos elementos: éter, fogo, ar, água
e terra, por intermédio dos elementais: etéreos, salamandras, silfos, ninfas e
gnomos”.[11]
Partindo do pressuposto de que a “macumba” é
um sistema de crença animista, fetichista e espírita, suas formas primitivas,
por assim dizer, podem ser encontradas em alguns relatos bíblicos das religiões
babilônicas e egípcias.
Essas religiões atuavam com técnicas práticas,
cerimoniais e combinadas entre as duas, semelhantemente à macumba moderna. Na
magia prática, o individuo executava algo que foi declarado pelo feiticeiro ou
sábio e realizava certos atos como banhos com ervas, entrega de oferendas e uso
de poções. Na magia ritualística, havia encantamentos e agouros, algumas vezes
acompanhados por ritos sacrificiais elaborados. Para esses rituais, divindades,
demônios, forças cósmicas, forças da natureza, dentre outras, eram invocados
como auxílios. Acreditava-se, ainda, que certas palavras revestem-se de poder,
e que certas orações ou declarações atrairiam os poderes superiores.
No Egito a crença mística envolvida nos
encantamentos e fórmulas mágicas era grande. Champlin comenta de um manual de
instruções mágicas, intitulado “Instruções para o Rei Merikare” (datado cerca
de 2200 a.C.). Segundo ele, este manual “é um bom exemplo das antigas fórmulas
mágicas egípcias”.[12] As técnicas medicinais
também faziam parte do sistema egípcio de crença e seus mágicos eram conhecidos
como homens santos e operadores de prodígios.
Biblicamente podemos ver esses fatos como
quando faraó sonhou com as sete vacas magras e as sete vacas gordas, bem como
com as sete espigas boas e as sete secas, antes de ter a interpretação de seu
sonho pelo patriarca José, recorreu aos magos do Egito (Gn 41.24).
Nos dias de Moisés, ele e seu irmão foram
visitar o faraó a fim de que este libertasse o povo hebreu. Chegando lá, Arão
lançou sua vara no chão e a mesma se transformou em serpente. Um sinal como
esse poderia espantar qualquer um que não estivesse envolvido com magia, porém,
para o faraó aquilo não era nenhuma novidade, tanto que ele chamou seus
feiticeiros os quais reproduziram tal transformação material através de seus
encantamentos (Êx 7.10,11).
Balaão ficou entusiasmado com a recompensa
financeira prometida por Balaque. Enquanto se dirigia para encontrar-se com o
rei de Moabe, sua jumenta lhe deu trabalho todas as vezes que se desviava do
Anjo do Senhor e por isso, Balaão a espancou repetidamente. A jumenta teve a
boca aberta pelo Senhor e lhe questionou as agressões, perguntando: “Que te fiz
eu, para que me espancasses estas três vezes?”. Ryrie comenta que,
provavelmente Balaão tenha tido envolvimento com rituais de feitiçaria, pois
não se assustou nem um pouco com o fato de sua jumenta ter falado.[13]
Nas religiões assírias e babilônicas os
deuses eram invocados por meio de fórmulas mágicas. Acreditava-se que através
dos encantamentos, Marduque exercia seu poder com mais força do que qualquer
outro deus ou deusa. Nos dias de Daniel, podemos ver Nabucodonosor, rei da
Babilônia, ficando perturbado por conta de alguns sonhos. Nenhum mago,
adivinhador ou encantador teve a capacidade de revelar qual era o seu sonho e
tampouco seu significado. Apesar da ineficácia dos rituais desses homens e de
suas entidades, Daniel disse que “há um Deus no céu, o qual revela os
mistérios” e desta forma lhe contou o sonho e seus significados escatológicos
(Dn 2).
A
Origem da macumba
As
religiões afro-brasileiras tiveram sua origem no sincretismo das religiões
africanas, ameríndias e católicas. É difícil precisar a enorme variedade dessas
religiões. Dentre as principais, podemos destacar o babaçuê, (jeje-nagô),
batuque, candomblé, culto aos egunguns, culto de ifá, pajelança,
catimbó-jurema, omolokô, xangô do nordeste, xambá, umbanda e quimbanda. Em
contrapartida, é muito fácil fazer confusão com essas religiões, pois suas
crenças são aparentemente parecidas, talvez aí esteja a razão pela qual
chama-se genericamente todas essas religiões de macumba.
Bastos
reforça essa similaridade dizendo que, “os cultos afro-brasileiros disseminados
no Brasil, tomam nomes diferentes, pouco se distinguem entre si pelos ritos admitidos,
pelas divindades ou categorias protetoras ou pelas finalidades a que se
destinam. De maneira geral se confundem”.[14] Segundo ele, o que é
candomblé na Bahia, é o mesmo que xangô em Pernambuco e Alagoas, canjerê em
Minas, Pará e no Rio Grande do Sul, babaçuê no Norte, encanteria, cabula ou
tambor de mina no Maranhão, cambinda, linha de mesa ou catimbó no Nordeste e a
macumba do Rio de Janeiro.
De
acordo com Lima, a formação da macumba brasileira se formou a partir do
sincretismo do fetichismo africano, formada pelas culturas sudanesas e bantu,
do fetichismo ameríndio, com suas lendas e entidades míticas, do espiritismo kardecista,
com a ideia da transmigração de almas e o conceito de mediunidade e do
catolicismo europeu na apresentação dos santos, bem como crendices populares.[15]
O
sincretismo católico se deu em função da perseguição que os escravos sofriam
durante a era Brasil Colônia em relação a suas crenças. Uma vez que a missão
jesuítica era estabelecer o cristianismo romano, os escravos associaram seus
orixás com os santos católicos e essa tradição perdura até hoje. Como exemplos,
podemos citar a fusão de oxalá em Jesus, oiá em Santa Clara, oxum em Aparecida,
oxumaré em São Bartolomeu, oxóssi em São Sebastião, obá em Santa Joana D'Arc,
xangô em São Jerônimo, ogum em São Jorge, iansã em Santa Bárbara, iemanjá em
senhora da Conceição, da Glória e/ou dos Navegantes e nanã em Sant’ana.
Gaarden
assevera que, “as religiões afro-brasileiras formaram-se em diferentes regiões
e estados do Brasil e em diferentes momentos da nossa história. Por isso, elas
adotam não só diferentes formas rituais e diferentes versões mitológicas
derivadas de tradições africanas diversificadas, como também adotam nome
próprio diferente”.[16]
Ainda
conforme Gaarden, as nomenclaturas diferenciadas regionalmente seriam o
candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no Maranhão e
Pará, batuque no Rio Grande do Sul e macumba (posteriormente umbanda) no Rio de
Janeiro.
A
“macumba umbandista” vem da mitologia iorubá. Os iorubás compreendem a região sudoeste
da Nigéria e as partes adjacentes do Benin e Togo. O tráfico de escravos na
época da colonização brasileira, principalmente da região citada, é que
contribuiu para a formação das religiões afro-brasileiras.
Conforme
relata Almeida, “os iorubá acreditam num criador supremo, chamado Olodumare ou
Olorun, que além de criar o céu e a Terra com todos os seus habitantes, criou
também as divindades (orisa ou imole)
e os espíritos (ébóra)”.[17] Esses
seres (divindades e espíritos) são de naturezas diversas. “Alguns estão com o
Criador desde o princípio, antes da criação da Terra, e são chamados de
divindades primordiais. Outros são figuras históricas de reis, heróis,
guerreiros, etc., que se transformaram em orixás por seus feitos. Outros
representam elementos da natureza: árvores, rios, lagos.”
A
crença iorubá era uma espécie de henoteísmo com elementos panteístas. Para os
iorubá, Olorum era o criador e possuía atributos naturais como imortalidade
(embora não haja o conceito de sempiterno), onipotência, onisciência e
transcendência.[18]
Esta última é a que mais favorecia a ideia henoteísta, pois a divindade
principal estava muito longe e não deve ser incomodada. Olorum não atuava de
forma imanente. Ele é, ainda, visto como um rei muito importante, juiz
imparcial e único.
Visto
que Olorum não deve ser importunado, o povo recorria a intermediários, que são
os orixás. Na mitologia iorubá (embora haja outras histórias), Ogum, Xangô,
Oxossi, Oxum e Eleqqua eram filhos de Olorum e Yembo. Seus filhos eram todos
orixás.
Ainda
na mitologia, Exu era também um dos orixás, um dos filhos de Orunmilá, outro
orixá. Almeida conta que, “Nessa época havia muitos orixás, mas Exu era o mais
corajoso, inteligente e brigão. Nas reuniões tomava a frente em tudo, e brigava
com os outros. Por isso deixavam-no fazer o que quisesse, e concordavam com
tudo que dizia. Assim Exu ficou sendo o braço direito de Orunmilá”.[19]
Outro
nome conhecido é Iemanjá, “o orixá do rio Ogun, na Nigéria, sendo
conhecida também como Orisa-Odo, e sua saudação é "Odo-Iya" - Mãe do
Rio. O nome Yemoja significa Yeye-omo-eja - mãe dos peixes” A mitologia conta
que, ela “era uma mulher honesta, forte e respeitada. Um dia seu filho, já
adulto, ficou perturbado (...) e passou a tentar matá-la. (...) Um dia ele
violentou-a e ela com vergonha fugiu da cidade. O filho seguiu-a para matá-la
com uma faca. Antes de ser atingida Yemoja caiu para trás e morreu. Dos seus
seios brotou muita água, formando òsá, a lagoa. De seu corpo saíram muitos
orixás: Olosá, Olokun, Osoosi, Osun, e outros menos conhecidos”.[20]
Para
Costa é mais provável que seja da “cabula” que venha a macumba, que por sua vez
originou a umbanda.[21] Cabula é uma fusão das
práticas dos bantos com o espiritismo. Esse nome é uma deturpação do vocábulo
cabala. Carneiro por sua vez, sugere que macumba vem de “mcumba”, plural de cumba
(mestre de uma dança semi-religiosa, o jongo), ou seja, uma reunião de
jongueiros (dançarinos do jongo).[22]
Oliveira
comenta que a macumba primitiva, “longe de ser um culto organizado, era um agregado
de elementos da cabula, do Candomblé, das tradições indígenas e do Catolicismo
popular, sem o suporte de uma doutrina capaz de integrar os diversos pedaços
que lhe davam forma”.[23]
Neves
diz que a “palavra macumba deriva de macumbo,
que significa casa de quilombola, formada por negros refugiados em florestas,
como em Palmares, que cultuavam os espíritos de seus antepassados e sonhavam
com sua volta a África.”[24]
É
realmente muito difícil trazer informações científicas e precisas sobre a
origem da macumba. Nem mesmo os adeptos das religiões afro possuem unanimidade
quanto ao entendimento de coisas básicas de sua religiosidade. Trindade conta
que, “muita gente da umbanda desconhece o verdadeiro trabalho dos exus,
confundindo os guardiões da lei com seres de baixo nível, que se passam por
exus em alguns terreiros, e que na verdade são aqueles conhecidos como
kiumbas”.[25]
Walter
Martin comentou que, “quando alguém passa a estudar os cultos afros, uma das
coisas que observa é a impossibilidade de se fazer uma análise objetiva sobre a
origem ou a atuação dos orixás, devido a tantas informações contraditórias”.
Isso acontece porque a maioria das informações variam de um terreiro para o
outro, de uma região para a outra, de um sacerdote para o outro e até mesmo de
uma entidade para a outra.[26]
A
macumba e o espiritismo
O
Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo, diz que a palavra “espiritismo”
tem sido usada para “descrever qualquer grupo que defenda a comunicação com os
mortos”.[27]
Gaarden
diz que, “juntamente com a umbanda, o batuque, o xangô e o tambor de mina, o
candomblé representa o melhor exemplo de politeísmo
explícito que temos no Brasil.”[28] Estas várias divindades
são os orixás (ancestrais africanos divinizados) exus (orixá da comunicação),
caboclos (espíritos de índios), pretos velhos (espíritos de escravos), erês ou
ibeijadas (espíritos de crianças) e espíritos de baianos, boiadeiros, mineiros
e marinheiros. Sem falar das pombas giras (forma equivalente feminina de exus).
A
umbanda nasceria através da fusão “de representantes da classe mais pobre com
elementos da classe média egressos do espiritismo Kardecista”.[29]
Existem
diferenças consideráveis entre o espiritismo kardecista e o umbandista. Inicialmente,
vale comentar que, no primeiro há a postulação de um Deus criador, possuidor de
atributos naturais (onipotência, onisciência e onipresença) transcendente e não
imanente, inacessível aos homens. Mais próximos da humanidade estariam os
espíritos dos mortos, cuja missão é ajudar os vivos como meio de expiação para
suas faltas nas vidas passadas.
A
comunicação com esses espíritos se dá, segundo a doutrina kardecista, através
de médiuns. Embora as duas linhas de espiritismo assumam a comunicação com
mortos, Ortiz comenta que os espíritos consultados no umbandismo não podem ser
confundidos com “um espírito de luz, como o é um espírito de médico, de padre,
de freira, ou de um sábio qualquer, posto que no universo kardecista a cultura
do espírito corresponde à cultura de sua ‘matéria’. Como poderia um analfabeto
prescrever sabedoria? Quem levaria a sério a ignorância do espírito de um
antigo escravo? – este deve permanecer em seu ‘lugar’”.[30]
O
umbandismo já foi considerado como um baixo espiritismo ao passo que o
kardecismo como o alto espiritismo. É a ideia de que os espíritos que são
invocados nesta são superiores e mais evoluídos enquanto naquela é justamente o
oposto.
O
relato a seguir explica o raciocínio anterior: “É assim que, na Umbanda,
ouvem-se coisas inusitadas como, por exemplo, o espírito de uma prostituta, que
viveu e morreu na zona do Mangue, aconselhando uma dona de casa do Méier sobre
como obter e proporcionar mais prazer no sexo. O mais interessante é que
prestar esse tipo de ajuda também conta pontos na escala umbandista da evolução
espiritual.”[31]
A
Bíblia, por sua vez, traz severas proibições às práticas de comunicação com os
mortos. Era proibida a prática gentia de dilacerar o corpo em busca ou em favor
de algum morto. Tampouco o judeu deveria consultar alguém que já havia morrido
(Lv 19.28-31). “àquele que se voltar para os que consultam os mortos e para os
feiticeiros, prostituindo-se após eles, porei o meu rosto contra aquele homem,
e o extirparei do meio do seu povo”, dizia o Senhor (Lv 20.6).
Saul
em seus momentos de desespero buscou ao Senhor mas não pôde acha-lo. Nestas
circunstâncias resolveu recorrer a uma espírita, a fim de ouvir uma resposta do
já falecido profeta Samuel (1 Sm 28.11-13).
A
Lei divina entretanto, era clara ao dizer que não deveria haver em Israel quem
fizesse “passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem
prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro nem encantador, nem quem consulte
um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos”. A opinião de
Deus acerca dessas práticas era de que “todo aquele que faz estas coisas é
abominável ao Senhor” (Dt 18.10-12).
Conhecendo
as religiões afro-brasileiras
De acordo com o censo
de 2010, feito pelo IBGE, 588.797 brasileiros se identificaram como seguidores
do animismo afro-brasileiro. Esse número não reflete de forma real a quantidade
de adeptos que essas religiões possuem, pois muitas pessoas de outras religiões
frequentam centros de umbanda, quimbanda, candomblé e até mesmo kardecista.
Alguns talvez por vergonha de se intitularem nominalmente
um religioso afro-brasileiro e outros por fazerem parte de outra denominação,
como a católica, por exemplo, não entraram para a estatística do IBGE. Podemos
citar também evangélicos que visitam tais centros, embora a quantidade, se
comparada às demais religiões, seja consideravelmente menor.
Embora as religiões afro-brasileiras
sejam generalizadas por parte dos leigos no assunto, elas são distintas entre
si. Queremos nesta seção comentar, ainda que resumidamente, as particularidades
das seis principais: catimbó-jurema, batuque, tambor de mina, candomblé,
umbanda e quimbanda.
Catimbó-jurema: é um tipo de culto xamânico
em que foram adotados elementos mágicos europeus, rituais indígenas e práticas
católicas. Está mais presente no nordeste brasileiro. Nesta religiosidade,
cultuam-se os santos católicos, Jesus, ervas sagradas e a Jurema, uma árvore
nativa do agreste e sertão nordestinos e que possui grande concentração de uma
substância alucinógena (dimetiltriptamina). Seus rituais consistem em cantigas,
toques, ingestão da Jurema e de incorporações dos mestres da Jurema (adeptos
que após morrerem foram encantados e transportados milagrosamente para este
estado espiritual, no qual aconselham e operam curas em seus atendimentos).
Esses mestres seriam neutros em sentido de fazerem o bem ou o mal. Além dos
mestres, há a possibilidade da incorporação dos caboclos, espíritos de pajés e
guerreiros indígenas.
Batuque: é uma religião com maior
concentração no estado do Rio Grande do Sul. Nesta religião, os orixás são
adorados e recebem oferendas, inclusive de aspectos culturais, como chimarrão,
polenta, batata inglesa assada e churrasco. Uma das possibilidades da origem
dessa religião, é a implantação através de uma escrava vinda de Pernambuco. As
semelhanças do batuque gaúcho com o xangô pernambucano são grandes e o alcance
se deu a países como Argentina, Uruguai e Paraguai, dentre outros. Não existe
uma hierarquia estruturada em cargos sacerdotais. Seus médiuns são “filhos de
santo” e podem ser chamados de Babalorixá
ou Iyalorixá. Há, ainda, rituais de culto destinados aos eguns (espíritos dos
mortos). Nos rituais, as rezas para os orixás e os eguns são feitas na língua
ioruba ao som de tambores. Em seus rituais são usadas folhas e ervas sagradas e
interpretação do jogo de búzios.
Tambor de mina: é uma religião mais
forte no Maranhão, Pará e Amazonas. À semelhança das demais, é um culto aos
voduns, orixás e caboclos, além de possuir características de transe e
incorporação. Os voduns são filhos e descendentes da deusa Mawu (deusa-suprema
dos povos Ewe e Fon) com Lissá. Eles recebem oferendas de alimentos e de
animais. Eles são incorporados e dão conselhos. Nos rituais do tambor de mina,
há também danças e batucadas nos tambores. Nesta religião há hierarquia
sacerdotal. Outro culto associado ao tambor de mina é a encantaria ou terecô.
Candomblé: As duas principais
religiões afro-brasileiras são o candomblé e a umbanda. Dos 588.797 adeptos de
todas as religiões afro-brasileiras, 407.331 (69%) são umbandistas, 167.363
(28%) são candomblecistas e 14.103 (3%) são de outras declarações de
religiosidades afro-brasileiras. O Candomblé está mais concentrado no estado da
Bahia e é uma religião na qual se cultuam orixás, voduns e minkisi (divindades
da mitologia bantu). Também está presente em outros países como Uruguai,
Argentina, Venezuela, Colômbia, Panamá, México, Alemanha, Itália, Portugal e
Espanha. Suas entidades recebem oferendas através de animais, vegetais e
minerais, cânticos, danças, roupas especiais e jogo de búzios. Seus sacerdotes
são o babalorixá (pai de santo) e a iyalorixá (mãe de santo). Depois que estes
morrem, são chamados de egunguns e são cultuados. No candomblé são feitos
despachos (também chamados de ebó ou sacrifício) tanto para o bem quanto para o
mal. São oferecidos pipocas, farofa de azeite-de-dendê, ou no sacrifício de
animais a ele dedicados, cão, galo, ou bode, de preferência pretos.
Umbanda: esta religião é de origem brasileira. Nasceu por
volta de 1908. Os umbandistas se reúnem em templos, centros, tendas ou
terreiros. O médium incorpora pretos-velhos, caboclos, exus, marinheiros,
baianos e ciganos, dentre outros e as pessoas que vão em busca dessas entidades
o fazem com o intuito de obterem ajuda e conselhos para suas vidas, além de
curas, descarregos, e soluções para problemas espirituais diversos. Os
umbandistas se auto intitulam como espiritismo de magia branca.
Quimbanda: trata-se de uma ramificação da umbanda em que
as forças negativas (espíritos atrasados) são manipuladas. Nas oferendas são
colocadas bebidas alcoólicas como cachaça, uísque ou conhaque, além de
charutos, velas, comidas e animais. É também chamada de magia negra. Despachos
para prejudicar ou atacar a vida de terceiros são praticados nesse ramo da
religiosidade afro-brasileira. Tendo em vista esses despachos, o cristão pode
“pegar” macumba?
A macumba pega no cristão?
A resposta para essa pergunta pode variar no
meio dos grupos evangélicos. Alguns representantes, principalmente de linhas
neopentecostais e cuja ênfase recai ao movimento de batalha espiritual,
acreditam que sim. Em contrapartida, as igrejas históricas, tradicionais e
pentecostais históricas (isso de uma forma genérica) acreditam que não. É
difícil rotular porque atualmente algumas igrejas históricas e tradicionais são
influenciadas pelas ideias que estamos discutindo.
Para os adeptos do movimento de guerra
espiritual o cuidado deve ser muito grande, pois objetos que tenham sido
supostamente consagrados a espíritos malignos podem afetar a vida dos crentes.
Essa crença é chamada de fetichismo, isto é, o culto supersticioso aos
fetiches, amuletos e talismãs. Koch define fetiche como “um objeto artificial
que se adora ou venera ou que é levado em cima para a segurança pessoal. Crê-se
que os fetiches estão dotados ou animados de certo poder”.[32]
Rebecca Brown, por exemplo, uma autora
conhecida do movimento de batalha espiritual ensina que, quando um feiticeiro
coloca objetos da pessoa que quer enfeitiçar (pedaço de cabelo, botão ou
fragmentos de roupa, unha ou o nome escrito ao invés de objetos pessoais) em
seu ritual, o faz com pelo menos 5 propósitos: 1) reclamar o local que está
realizando o feitiço para si e para satanás; 2) colocar demônios ao redor de
todo o limite da propriedade com o objetivo de guardá-la; 3) colocar demônios
especiais (abridores) que dão acesso à entrada para que o agoureiro possa
chegar à propriedade em projeção astral; 4) colocar demônios sentinelas a fim
de vigiar e informar tudo o que se passa naquela propriedade e 5) colocar
demônios que vão amarrar e cegar todos os que entrarem na propriedade,
aprisionando-os em jaulas.[33]
Nas religiões afro, esses demônios seriam os
guias, orixás, caboclos, pretos velhos, exus, etc. O meio para desfazer, ou
quebrar essas maldições seria examinar a área onde foi feito o feitiço, andar
sobre ele como um ato profético baseado na promessa mosaica (Dt 11.24),
declarar que o local é santo e pedir que Deus envie anjos para aquele local.[34]
A Dra. Brown, diz ainda, que o crente deve
tomar cuidado com os pertences que tem. É bom que vasculhe a casa, pois muitos
objetos que possui podem ter sido consagrados a demônios, até mesmo brinquedos
infantis.[35]
De acordo com Linhares, tais objetos devem
ser lançados fora, preferencialmente queimados ou destruídos.[36]
Existe até uma contradição com esse ensino, pois em alguns livros de batalha
espiritual, seus autores colocam fotos como ilustração para seus leitores. Será
que seus livros também deveriam receber tal destinação?
As maldições, provenientes de encantamentos,
mandingas, macumbas, ou de qualquer outro meio, traria efeitos não apenas a
pessoas, mas a locais também. Partindo desse pressuposto, teríamos que ter
muita cautela, pois hospitais, escolas, prefeituras, lojas, fábricas, restaurantes,
hotéis e até nossas igrejas podem estar sob a influência de uma macumba que
alguém fez.[37]
Ao contrário do estereótipo popular, a
maioria dos praticantes das religiões-afro no Brasil está concentrada no estado
do Rio Grande do Sul. Se aceitarmos a ideia de que os feitiços (macumbas)
trazem influência sobre locais, poderíamos então concluir que a rivalidade
entre gremistas e colorados está muitíssimo equilibrada nos terreiros gaúchos,
visto que seus times não têm tido muita expressividade no futebol brasileiro.
Considerações finais
O Brasil é um país místico por natureza. O
medo de “pegar” macumba é grande por parte de algumas pessoas. Por isso, alguns
andam com galhos de arruda na orelha, não saem de casa sem fazer “em nome do
Pai”, passam longe de uma oferenda na encruzilhada e fazem até simpatia para
afastar o mau-olhado.
Existem também os evangélicos que estão
sempre atribuindo à obra de macumbaria o fracasso de seus casamentos, o mau
negócio que foi empreendido, o filho que está nas drogas, etc. Sempre temos
alguns membros em nossas igrejas com dúvidas e até medo de ficarem
“macumbados”. Alguns adotam posturas supersticiosas e alguns ensinos têm
fortalecido essa prática no arraial evangélico.
Respondendo à pergunta da seção anterior:
não! O crente não pega macumba. Melhor dizendo, O cristão autêntico, aquele tem
vida com Deus, que não dá lugar ao diabo (Ef 4.27), que anda sóbrio e vigilante
(1 Pe 5.8), que resiste ao tentador (Tg 4.7), este sim, jamais ficará
“macumbado”. O Apóstolo João bem nos lembra: “sabemos que todo aquele que é
nascido de Deus não vive pecando; antes o guarda aquele que nasceu de Deus, e o
Maligno não lhe toca” (1 Jo 5.18). Balaque bem que tentou, mas “não há magia
que possa contra Jacó, nem encantamento contra Israel” (Nm 23:23a).
Notas
[1]
OLIVEIRA, José Henrique Motta. Entre a
Macumba e o Espiritismo: uma análise comparativa das estratégias de legitimação
da Umbanda durante o Estado Novo. UFRJ, 2007, p. 92.
[2]
CHAMPLIN, Norman. Enciclopédia de Bíblia,
Teologia e Filosofia. Candeia. Vol. 4. 1991, p. 23.
[3]
GIMBEREUÁ, Ogã. Ebós Feitiços no Candomblé. Eco, 1969; D'OBALUAYÊ, Batista. Feitiços e Ebós no Candomblé. Império da
Cultura LTDA, 2011.
[4]
GAARDEN, Jostein. O livro das Religiões.
Cia das Letras, 2001, p. 318.
[5]
BRAGA, Lourenço. Umbanda e quimbanda.
Spike, 1961, p. 12-15.
[6]
CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Kardecismo
e Umbanda. Pioneira, 1961, pp. 54,55.
[7]
Grande Dicionário Brasileiro
Melhoramentos Ilustrado, vol. 3, 1975.
[8]
TRINDADE, Diamantino Fernandes. Você sabe
o que é macumba? Você sabe o que é exu? Icone, 2013, p. 41.
[9]
OLIVEIRA. Op. Cit., p. 91.
[10]
CHAMPLIN. Op. Cit.
[12] CHAMPLIN. Op. Cit., p. 24.
[13]
RYRIE. Charles C.. Bíblia de Estudo
Anotada e Expandida. Mundo Cristão. Comentário sobre Nm 22.28.
[14]
BASTOS, Abguar. Os Cultos Mágico-Religiosos no Brasil. Hucitec, 1979, pp. 29,30.
[15]
LIMA, Delcyr de Souza. Analisando crenças
espíritas e umbandistas. Casa Publicadora Batista, 1970, p. 88.
[16]
GAARDEN. Op. Cit., pp. 317,318.
[17]
ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura
Iorubá: costumes e tradições. Dialogarts, 2006, p. 94.
[18]
Ibid, p. 97,98.
[19]
Ibid, p. 100.
[20]
Ibid, pp. 111,112.
[21]
COSTA, Valdeli Carvalho da. Umbanda: Os
“seres superiores” e os Orixás. Loyola, 1983, v. 1, p. 92.
[22]
CARNEIRO, Edson Apud MAGNANI, José Guilherme. Umbanda. Ática, 1991, p. 22.
[23]
OLIVEIRA. Op. Cit., p. 93.
[24]
NEVES Apud TRINDADE. Op. Cit., p. 41.
[25]
TRINDADE. Op. Cit., p. 16.
[27] MATHER, Georg; NICHOLS , Larry. Dicionário de Religiões, Crenças e
Ocultismo. Vida, 2000, p.152.
[28]
GAARDEN. Op. Cit., p. 318.
[29]
OLIVEIRA. Op. Cit., p. 93.
[30]
ORTIZ, Renato. A morte branca do
feiticeiro negro. Brasiliense, 1999, p. 46.
[31]
LIGIÉRO, José Luiz e DANDARA. Umbanda:
Paz, Liberdade e Cura. Nova Era, 1998.p. 65.
[32] KOCH, Kurt E. Ocultismo
y cura de almas. Clie. 1968, pp. 119, 120.
[33]
BROWN, Rebecca. Jaulas e Maldições. In: Vasos para Honra. Danprewan, 1998.
[34]
Ibid.
[35]
BROWN, Rebecca. Maldições não quebradas.
Danprewan, 2009, p. 43.
[36]
LINHARES, Jorge. Bênção ou Maldição. Getsêmani,
1992, p. 41.
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