"Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração. Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti" (Mt 6:21; Sl 119:11).
quinta-feira, 26 de março de 2015
Perspectivas Armínio-Wesleyanas da Soberania Divina
Marcadores:
Arminianismo,
Vídeo-aulas
Servo do Deus Altíssimo, lavado e remido pelo Sangue do Cordeiro. Marido de uma mulher especial, Jaqueline e pai de dois filhos maravilhosos, Luís Otávio e Priscilla, presentes do Pai Celestial. Ministro da Igreja do Nazareno na cidade de Barroso, MG. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Castelo Branco, Bacharel em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, pós graduado em História da Teologia pela FaeteSF e em Ciência da Religião pela Universidade Cândido Mendes e Mestre em Ciências da Religião pelo Seminario Nazareno de las Americas de Costa Rica e mestrando em Teologia pela Faculdade Batista do Paraná. É palestrante nas áreas de apologética cristã, teologia sistemática, teologia arminiana e administração financeira doméstica, além de professor de Teologia Sistemática, articulista da Revista Defesa da Fé e autor dos livros “Os três Choros de José do Egito”, “A Verdade Sobre o G-12,” "Introdução à Teologia Armínio-wesleyana," "Culto cristão: origens, desenvolvimento e desafios contemporâneos" e "Em favor do arminianismo-wesleyano: um estudo bíblico, teológico e exegético de sua relevância na contemporaneidade."
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
Teologias Arminiana e Calvinista
Marcadores:
Arminianismo,
Vídeo-aulas
Servo do Deus Altíssimo, lavado e remido pelo Sangue do Cordeiro. Marido de uma mulher especial, Jaqueline e pai de dois filhos maravilhosos, Luís Otávio e Priscilla, presentes do Pai Celestial. Ministro da Igreja do Nazareno na cidade de Barroso, MG. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Castelo Branco, Bacharel em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, pós graduado em História da Teologia pela FaeteSF e em Ciência da Religião pela Universidade Cândido Mendes e Mestre em Ciências da Religião pelo Seminario Nazareno de las Americas de Costa Rica e mestrando em Teologia pela Faculdade Batista do Paraná. É palestrante nas áreas de apologética cristã, teologia sistemática, teologia arminiana e administração financeira doméstica, além de professor de Teologia Sistemática, articulista da Revista Defesa da Fé e autor dos livros “Os três Choros de José do Egito”, “A Verdade Sobre o G-12,” "Introdução à Teologia Armínio-wesleyana," "Culto cristão: origens, desenvolvimento e desafios contemporâneos" e "Em favor do arminianismo-wesleyano: um estudo bíblico, teológico e exegético de sua relevância na contemporaneidade."
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Macumba pega no cristão?
A crença de que crentes estão sendo atacados
por trabalhos de macumba, mau olhado, despachos ou coisas assim é muito comum. Vez
ou outra aparece alguém perguntando se o cristão pode “pegar” macumba.
Esse “pegar” dá a ideia de pegar uma doença,
uma maldição ou algo assim. É como se o feitiço lançado fosse propagado por um
canal invisível e atacasse o casamento, finanças, saúde, família, etc, assim
como o vírus da gripe que entra no organismo humano através das vias
respiratórias e ataca o funcionamento regular do corpo.
Milhares de brasileiros têm essa mesma dúvida
e não são poucos os que se perguntam: o que é macumba? Ela funciona? O cristão
pode ser alvo de macumbaria? Ela terá efeito na vida dele? O que a Bíblia tem a
dizer de tudo isso? Essas perguntas rodeiam muitos cristãos e pretendemos sana-las
neste artigo.
O que é macumba
A definição de macumba não é fácil de se
conseguir. A ideia popular normalmente está associada a feitiços, trabalhos
para atrasar a vida de alguém, despachos, mandingas e coisas do tipo. A ideia
geral da sociedade é que a macumba é algo malévolo, maligno e até mesmo
diabólico. Oliveira sugere que esta fama ruim possa ter sua origem na provável
“associação ao adjetivo feminino de mau: ‘má’”.[1] Na
visão dele, se fosse então “boacumba”, a religiosidade afro-brasileira poderia
ter tomado outro rumo.
Não há um significado concreto para o termo
macumba, etimologicamente falando. O wiktionary
sugere que, o termo talvez venha do quimbundo (idioma banto falado na Angola), ma (o que assusta) e kumba (soar assustadoramente). Quando se
fala nesse assunto, generaliza-se, portanto, todas as religiões
afro-brasileiras em um único termo: macumba. A ideia geral também é que essas
religiões trabalham com feitiçarias, magias, encantamentos, consulta a mortos,
bruxarias, vodus e coisas assim.
A
ideia não está de toda errada. Champlin explica que as religiões praticantes de
magias e feitiçarias partem da ideia de “que certas pessoas têm a capacidade de
manipular poderes sobrenaturais, a fim de alterar para melhor ou para pior a
sorte de alguém, tanto do próprio individuo como de outras pessoas”.[2]
Certo
representante do candomblé, por exemplo, publicou um livro em que traz ensinamentos
sobre como prejudicar outras pessoas através de feitiços e encantamentos.[3] Alguns desses feitiços
seriam: colocar uma pessoa louca, destruir, arruinar, colocar feridas, trazer
separações matrimoniais, fazer perder tudo o que tem, fazer ir embora, fazer
vingança e até mesmo matar.
Gaarder
comenta que o candomblé não é uma religião ética, mas mágica e ritualística.
Nela não há a ideia de salvação da corrupção do pecado e tampouco há espaço
para negação deste mundo em prol de uma vida eterna. “No candomblé o que se
busca é a interferência concreta do sobrenatural ‘neste mundo’ presente,
mediante a manipulação de forças sagradas, a invocação das potências divinas e
os sacrifícios oferecidos às diferentes divindades, os chamados orixás”.[4]
Embora
o candomblé adote a prática de fazer o mal explicitamente, Lourenço Braga alega
que a umbanda se dedica à prática do bem (magia branca), ao passo que a
quimbanda se dedica à prática do mal (magia negra).[5]
O
esforço de Braga cai por terra após o relato de Camargo. Segundo este, os
espíritos maus, que ele chama de “quimbandeiros” são mais fortes do que os
“bons” e diz que às vezes, os umbandistas têm necessidade de apelar para
aqueles.[6]
O
dicionário Melhoramentos define macumba como candomblé, feitiçaria e ainda como
um instrumento de percussão dos negros.[7] Trindade, sacerdote
umbandista, explica que uma das possibilidades para a origem da macumba talvez
seja a ligação que as pessoas fizeram dos praticantes das religiões afro com o
instrumento predominante de suas religiões.[8] Ou seja, como na maioria
das religiões afro usava-se o instrumento de percussão “macumba” e quem os
tocava eram “macumbeiros”, daí a fama popular genérica de que todas as
religiões afro sejam “macumba”.
Macumba
também é, popularmente associado a feitiço. Quando alguém diz “fizeram uma
macumba para meu vizinho”, ele está na verdade dizendo que fizeram um trabalho
de feitiçaria (macumbaria) contra aquela pessoa.
A macumba na sua forma
primitiva
De acordo com Oliveira, alguns pensadores da religião
acreditam que a umbanda deriva-se dos cultos hindus e egípcios, além de outros
povos da antiguidade.[9]
Champlin comenta que, “a magia desempenhava um papel dominante nas religiões da
Babilônia, do Egito, de Roma, do hinduísmo brâmane e nas formas tântricas tanto
do hinduísmo quanto do budismo”.[10]
Lourenço Braga definiu a
umbanda da seguinte forma: “umbanda é magia, e fazer magia é saber jogar com as
forças ocultas existentes no Universo, quer sejam elas providas de espíritos de
categoria diferentes, quer sejam de vibrações provindas de planetas, em ondas
diversas; quer sejam elas emanadas dos corpos: fluídico, eletrônico, gasoso,
líquido e sólido; quer sejam elas provindas dos elementos: éter, fogo, ar, água
e terra, por intermédio dos elementais: etéreos, salamandras, silfos, ninfas e
gnomos”.[11]
Partindo do pressuposto de que a “macumba” é
um sistema de crença animista, fetichista e espírita, suas formas primitivas,
por assim dizer, podem ser encontradas em alguns relatos bíblicos das religiões
babilônicas e egípcias.
Essas religiões atuavam com técnicas práticas,
cerimoniais e combinadas entre as duas, semelhantemente à macumba moderna. Na
magia prática, o individuo executava algo que foi declarado pelo feiticeiro ou
sábio e realizava certos atos como banhos com ervas, entrega de oferendas e uso
de poções. Na magia ritualística, havia encantamentos e agouros, algumas vezes
acompanhados por ritos sacrificiais elaborados. Para esses rituais, divindades,
demônios, forças cósmicas, forças da natureza, dentre outras, eram invocados
como auxílios. Acreditava-se, ainda, que certas palavras revestem-se de poder,
e que certas orações ou declarações atrairiam os poderes superiores.
No Egito a crença mística envolvida nos
encantamentos e fórmulas mágicas era grande. Champlin comenta de um manual de
instruções mágicas, intitulado “Instruções para o Rei Merikare” (datado cerca
de 2200 a.C.). Segundo ele, este manual “é um bom exemplo das antigas fórmulas
mágicas egípcias”.[12] As técnicas medicinais
também faziam parte do sistema egípcio de crença e seus mágicos eram conhecidos
como homens santos e operadores de prodígios.
Biblicamente podemos ver esses fatos como
quando faraó sonhou com as sete vacas magras e as sete vacas gordas, bem como
com as sete espigas boas e as sete secas, antes de ter a interpretação de seu
sonho pelo patriarca José, recorreu aos magos do Egito (Gn 41.24).
Nos dias de Moisés, ele e seu irmão foram
visitar o faraó a fim de que este libertasse o povo hebreu. Chegando lá, Arão
lançou sua vara no chão e a mesma se transformou em serpente. Um sinal como
esse poderia espantar qualquer um que não estivesse envolvido com magia, porém,
para o faraó aquilo não era nenhuma novidade, tanto que ele chamou seus
feiticeiros os quais reproduziram tal transformação material através de seus
encantamentos (Êx 7.10,11).
Balaão ficou entusiasmado com a recompensa
financeira prometida por Balaque. Enquanto se dirigia para encontrar-se com o
rei de Moabe, sua jumenta lhe deu trabalho todas as vezes que se desviava do
Anjo do Senhor e por isso, Balaão a espancou repetidamente. A jumenta teve a
boca aberta pelo Senhor e lhe questionou as agressões, perguntando: “Que te fiz
eu, para que me espancasses estas três vezes?”. Ryrie comenta que,
provavelmente Balaão tenha tido envolvimento com rituais de feitiçaria, pois
não se assustou nem um pouco com o fato de sua jumenta ter falado.[13]
Nas religiões assírias e babilônicas os
deuses eram invocados por meio de fórmulas mágicas. Acreditava-se que através
dos encantamentos, Marduque exercia seu poder com mais força do que qualquer
outro deus ou deusa. Nos dias de Daniel, podemos ver Nabucodonosor, rei da
Babilônia, ficando perturbado por conta de alguns sonhos. Nenhum mago,
adivinhador ou encantador teve a capacidade de revelar qual era o seu sonho e
tampouco seu significado. Apesar da ineficácia dos rituais desses homens e de
suas entidades, Daniel disse que “há um Deus no céu, o qual revela os
mistérios” e desta forma lhe contou o sonho e seus significados escatológicos
(Dn 2).
A
Origem da macumba
As
religiões afro-brasileiras tiveram sua origem no sincretismo das religiões
africanas, ameríndias e católicas. É difícil precisar a enorme variedade dessas
religiões. Dentre as principais, podemos destacar o babaçuê, (jeje-nagô),
batuque, candomblé, culto aos egunguns, culto de ifá, pajelança,
catimbó-jurema, omolokô, xangô do nordeste, xambá, umbanda e quimbanda. Em
contrapartida, é muito fácil fazer confusão com essas religiões, pois suas
crenças são aparentemente parecidas, talvez aí esteja a razão pela qual
chama-se genericamente todas essas religiões de macumba.
Bastos
reforça essa similaridade dizendo que, “os cultos afro-brasileiros disseminados
no Brasil, tomam nomes diferentes, pouco se distinguem entre si pelos ritos admitidos,
pelas divindades ou categorias protetoras ou pelas finalidades a que se
destinam. De maneira geral se confundem”.[14] Segundo ele, o que é
candomblé na Bahia, é o mesmo que xangô em Pernambuco e Alagoas, canjerê em
Minas, Pará e no Rio Grande do Sul, babaçuê no Norte, encanteria, cabula ou
tambor de mina no Maranhão, cambinda, linha de mesa ou catimbó no Nordeste e a
macumba do Rio de Janeiro.
De
acordo com Lima, a formação da macumba brasileira se formou a partir do
sincretismo do fetichismo africano, formada pelas culturas sudanesas e bantu,
do fetichismo ameríndio, com suas lendas e entidades míticas, do espiritismo kardecista,
com a ideia da transmigração de almas e o conceito de mediunidade e do
catolicismo europeu na apresentação dos santos, bem como crendices populares.[15]
O
sincretismo católico se deu em função da perseguição que os escravos sofriam
durante a era Brasil Colônia em relação a suas crenças. Uma vez que a missão
jesuítica era estabelecer o cristianismo romano, os escravos associaram seus
orixás com os santos católicos e essa tradição perdura até hoje. Como exemplos,
podemos citar a fusão de oxalá em Jesus, oiá em Santa Clara, oxum em Aparecida,
oxumaré em São Bartolomeu, oxóssi em São Sebastião, obá em Santa Joana D'Arc,
xangô em São Jerônimo, ogum em São Jorge, iansã em Santa Bárbara, iemanjá em
senhora da Conceição, da Glória e/ou dos Navegantes e nanã em Sant’ana.
Gaarden
assevera que, “as religiões afro-brasileiras formaram-se em diferentes regiões
e estados do Brasil e em diferentes momentos da nossa história. Por isso, elas
adotam não só diferentes formas rituais e diferentes versões mitológicas
derivadas de tradições africanas diversificadas, como também adotam nome
próprio diferente”.[16]
Ainda
conforme Gaarden, as nomenclaturas diferenciadas regionalmente seriam o
candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no Maranhão e
Pará, batuque no Rio Grande do Sul e macumba (posteriormente umbanda) no Rio de
Janeiro.
A
“macumba umbandista” vem da mitologia iorubá. Os iorubás compreendem a região sudoeste
da Nigéria e as partes adjacentes do Benin e Togo. O tráfico de escravos na
época da colonização brasileira, principalmente da região citada, é que
contribuiu para a formação das religiões afro-brasileiras.
Conforme
relata Almeida, “os iorubá acreditam num criador supremo, chamado Olodumare ou
Olorun, que além de criar o céu e a Terra com todos os seus habitantes, criou
também as divindades (orisa ou imole)
e os espíritos (ébóra)”.[17] Esses
seres (divindades e espíritos) são de naturezas diversas. “Alguns estão com o
Criador desde o princípio, antes da criação da Terra, e são chamados de
divindades primordiais. Outros são figuras históricas de reis, heróis,
guerreiros, etc., que se transformaram em orixás por seus feitos. Outros
representam elementos da natureza: árvores, rios, lagos.”
A
crença iorubá era uma espécie de henoteísmo com elementos panteístas. Para os
iorubá, Olorum era o criador e possuía atributos naturais como imortalidade
(embora não haja o conceito de sempiterno), onipotência, onisciência e
transcendência.[18]
Esta última é a que mais favorecia a ideia henoteísta, pois a divindade
principal estava muito longe e não deve ser incomodada. Olorum não atuava de
forma imanente. Ele é, ainda, visto como um rei muito importante, juiz
imparcial e único.
Visto
que Olorum não deve ser importunado, o povo recorria a intermediários, que são
os orixás. Na mitologia iorubá (embora haja outras histórias), Ogum, Xangô,
Oxossi, Oxum e Eleqqua eram filhos de Olorum e Yembo. Seus filhos eram todos
orixás.
Ainda
na mitologia, Exu era também um dos orixás, um dos filhos de Orunmilá, outro
orixá. Almeida conta que, “Nessa época havia muitos orixás, mas Exu era o mais
corajoso, inteligente e brigão. Nas reuniões tomava a frente em tudo, e brigava
com os outros. Por isso deixavam-no fazer o que quisesse, e concordavam com
tudo que dizia. Assim Exu ficou sendo o braço direito de Orunmilá”.[19]
Outro
nome conhecido é Iemanjá, “o orixá do rio Ogun, na Nigéria, sendo
conhecida também como Orisa-Odo, e sua saudação é "Odo-Iya" - Mãe do
Rio. O nome Yemoja significa Yeye-omo-eja - mãe dos peixes” A mitologia conta
que, ela “era uma mulher honesta, forte e respeitada. Um dia seu filho, já
adulto, ficou perturbado (...) e passou a tentar matá-la. (...) Um dia ele
violentou-a e ela com vergonha fugiu da cidade. O filho seguiu-a para matá-la
com uma faca. Antes de ser atingida Yemoja caiu para trás e morreu. Dos seus
seios brotou muita água, formando òsá, a lagoa. De seu corpo saíram muitos
orixás: Olosá, Olokun, Osoosi, Osun, e outros menos conhecidos”.[20]
Para
Costa é mais provável que seja da “cabula” que venha a macumba, que por sua vez
originou a umbanda.[21] Cabula é uma fusão das
práticas dos bantos com o espiritismo. Esse nome é uma deturpação do vocábulo
cabala. Carneiro por sua vez, sugere que macumba vem de “mcumba”, plural de cumba
(mestre de uma dança semi-religiosa, o jongo), ou seja, uma reunião de
jongueiros (dançarinos do jongo).[22]
Oliveira
comenta que a macumba primitiva, “longe de ser um culto organizado, era um agregado
de elementos da cabula, do Candomblé, das tradições indígenas e do Catolicismo
popular, sem o suporte de uma doutrina capaz de integrar os diversos pedaços
que lhe davam forma”.[23]
Neves
diz que a “palavra macumba deriva de macumbo,
que significa casa de quilombola, formada por negros refugiados em florestas,
como em Palmares, que cultuavam os espíritos de seus antepassados e sonhavam
com sua volta a África.”[24]
É
realmente muito difícil trazer informações científicas e precisas sobre a
origem da macumba. Nem mesmo os adeptos das religiões afro possuem unanimidade
quanto ao entendimento de coisas básicas de sua religiosidade. Trindade conta
que, “muita gente da umbanda desconhece o verdadeiro trabalho dos exus,
confundindo os guardiões da lei com seres de baixo nível, que se passam por
exus em alguns terreiros, e que na verdade são aqueles conhecidos como
kiumbas”.[25]
Walter
Martin comentou que, “quando alguém passa a estudar os cultos afros, uma das
coisas que observa é a impossibilidade de se fazer uma análise objetiva sobre a
origem ou a atuação dos orixás, devido a tantas informações contraditórias”.
Isso acontece porque a maioria das informações variam de um terreiro para o
outro, de uma região para a outra, de um sacerdote para o outro e até mesmo de
uma entidade para a outra.[26]
A
macumba e o espiritismo
O
Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo, diz que a palavra “espiritismo”
tem sido usada para “descrever qualquer grupo que defenda a comunicação com os
mortos”.[27]
Gaarden
diz que, “juntamente com a umbanda, o batuque, o xangô e o tambor de mina, o
candomblé representa o melhor exemplo de politeísmo
explícito que temos no Brasil.”[28] Estas várias divindades
são os orixás (ancestrais africanos divinizados) exus (orixá da comunicação),
caboclos (espíritos de índios), pretos velhos (espíritos de escravos), erês ou
ibeijadas (espíritos de crianças) e espíritos de baianos, boiadeiros, mineiros
e marinheiros. Sem falar das pombas giras (forma equivalente feminina de exus).
A
umbanda nasceria através da fusão “de representantes da classe mais pobre com
elementos da classe média egressos do espiritismo Kardecista”.[29]
Existem
diferenças consideráveis entre o espiritismo kardecista e o umbandista. Inicialmente,
vale comentar que, no primeiro há a postulação de um Deus criador, possuidor de
atributos naturais (onipotência, onisciência e onipresença) transcendente e não
imanente, inacessível aos homens. Mais próximos da humanidade estariam os
espíritos dos mortos, cuja missão é ajudar os vivos como meio de expiação para
suas faltas nas vidas passadas.
A
comunicação com esses espíritos se dá, segundo a doutrina kardecista, através
de médiuns. Embora as duas linhas de espiritismo assumam a comunicação com
mortos, Ortiz comenta que os espíritos consultados no umbandismo não podem ser
confundidos com “um espírito de luz, como o é um espírito de médico, de padre,
de freira, ou de um sábio qualquer, posto que no universo kardecista a cultura
do espírito corresponde à cultura de sua ‘matéria’. Como poderia um analfabeto
prescrever sabedoria? Quem levaria a sério a ignorância do espírito de um
antigo escravo? – este deve permanecer em seu ‘lugar’”.[30]
O
umbandismo já foi considerado como um baixo espiritismo ao passo que o
kardecismo como o alto espiritismo. É a ideia de que os espíritos que são
invocados nesta são superiores e mais evoluídos enquanto naquela é justamente o
oposto.
O
relato a seguir explica o raciocínio anterior: “É assim que, na Umbanda,
ouvem-se coisas inusitadas como, por exemplo, o espírito de uma prostituta, que
viveu e morreu na zona do Mangue, aconselhando uma dona de casa do Méier sobre
como obter e proporcionar mais prazer no sexo. O mais interessante é que
prestar esse tipo de ajuda também conta pontos na escala umbandista da evolução
espiritual.”[31]
A
Bíblia, por sua vez, traz severas proibições às práticas de comunicação com os
mortos. Era proibida a prática gentia de dilacerar o corpo em busca ou em favor
de algum morto. Tampouco o judeu deveria consultar alguém que já havia morrido
(Lv 19.28-31). “àquele que se voltar para os que consultam os mortos e para os
feiticeiros, prostituindo-se após eles, porei o meu rosto contra aquele homem,
e o extirparei do meio do seu povo”, dizia o Senhor (Lv 20.6).
Saul
em seus momentos de desespero buscou ao Senhor mas não pôde acha-lo. Nestas
circunstâncias resolveu recorrer a uma espírita, a fim de ouvir uma resposta do
já falecido profeta Samuel (1 Sm 28.11-13).
A
Lei divina entretanto, era clara ao dizer que não deveria haver em Israel quem
fizesse “passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem
prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro nem encantador, nem quem consulte
um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos”. A opinião de
Deus acerca dessas práticas era de que “todo aquele que faz estas coisas é
abominável ao Senhor” (Dt 18.10-12).
Conhecendo
as religiões afro-brasileiras
De acordo com o censo
de 2010, feito pelo IBGE, 588.797 brasileiros se identificaram como seguidores
do animismo afro-brasileiro. Esse número não reflete de forma real a quantidade
de adeptos que essas religiões possuem, pois muitas pessoas de outras religiões
frequentam centros de umbanda, quimbanda, candomblé e até mesmo kardecista.
Alguns talvez por vergonha de se intitularem nominalmente
um religioso afro-brasileiro e outros por fazerem parte de outra denominação,
como a católica, por exemplo, não entraram para a estatística do IBGE. Podemos
citar também evangélicos que visitam tais centros, embora a quantidade, se
comparada às demais religiões, seja consideravelmente menor.
Embora as religiões afro-brasileiras
sejam generalizadas por parte dos leigos no assunto, elas são distintas entre
si. Queremos nesta seção comentar, ainda que resumidamente, as particularidades
das seis principais: catimbó-jurema, batuque, tambor de mina, candomblé,
umbanda e quimbanda.
Catimbó-jurema: é um tipo de culto xamânico
em que foram adotados elementos mágicos europeus, rituais indígenas e práticas
católicas. Está mais presente no nordeste brasileiro. Nesta religiosidade,
cultuam-se os santos católicos, Jesus, ervas sagradas e a Jurema, uma árvore
nativa do agreste e sertão nordestinos e que possui grande concentração de uma
substância alucinógena (dimetiltriptamina). Seus rituais consistem em cantigas,
toques, ingestão da Jurema e de incorporações dos mestres da Jurema (adeptos
que após morrerem foram encantados e transportados milagrosamente para este
estado espiritual, no qual aconselham e operam curas em seus atendimentos).
Esses mestres seriam neutros em sentido de fazerem o bem ou o mal. Além dos
mestres, há a possibilidade da incorporação dos caboclos, espíritos de pajés e
guerreiros indígenas.
Batuque: é uma religião com maior
concentração no estado do Rio Grande do Sul. Nesta religião, os orixás são
adorados e recebem oferendas, inclusive de aspectos culturais, como chimarrão,
polenta, batata inglesa assada e churrasco. Uma das possibilidades da origem
dessa religião, é a implantação através de uma escrava vinda de Pernambuco. As
semelhanças do batuque gaúcho com o xangô pernambucano são grandes e o alcance
se deu a países como Argentina, Uruguai e Paraguai, dentre outros. Não existe
uma hierarquia estruturada em cargos sacerdotais. Seus médiuns são “filhos de
santo” e podem ser chamados de Babalorixá
ou Iyalorixá. Há, ainda, rituais de culto destinados aos eguns (espíritos dos
mortos). Nos rituais, as rezas para os orixás e os eguns são feitas na língua
ioruba ao som de tambores. Em seus rituais são usadas folhas e ervas sagradas e
interpretação do jogo de búzios.
Tambor de mina: é uma religião mais
forte no Maranhão, Pará e Amazonas. À semelhança das demais, é um culto aos
voduns, orixás e caboclos, além de possuir características de transe e
incorporação. Os voduns são filhos e descendentes da deusa Mawu (deusa-suprema
dos povos Ewe e Fon) com Lissá. Eles recebem oferendas de alimentos e de
animais. Eles são incorporados e dão conselhos. Nos rituais do tambor de mina,
há também danças e batucadas nos tambores. Nesta religião há hierarquia
sacerdotal. Outro culto associado ao tambor de mina é a encantaria ou terecô.
Candomblé: As duas principais
religiões afro-brasileiras são o candomblé e a umbanda. Dos 588.797 adeptos de
todas as religiões afro-brasileiras, 407.331 (69%) são umbandistas, 167.363
(28%) são candomblecistas e 14.103 (3%) são de outras declarações de
religiosidades afro-brasileiras. O Candomblé está mais concentrado no estado da
Bahia e é uma religião na qual se cultuam orixás, voduns e minkisi (divindades
da mitologia bantu). Também está presente em outros países como Uruguai,
Argentina, Venezuela, Colômbia, Panamá, México, Alemanha, Itália, Portugal e
Espanha. Suas entidades recebem oferendas através de animais, vegetais e
minerais, cânticos, danças, roupas especiais e jogo de búzios. Seus sacerdotes
são o babalorixá (pai de santo) e a iyalorixá (mãe de santo). Depois que estes
morrem, são chamados de egunguns e são cultuados. No candomblé são feitos
despachos (também chamados de ebó ou sacrifício) tanto para o bem quanto para o
mal. São oferecidos pipocas, farofa de azeite-de-dendê, ou no sacrifício de
animais a ele dedicados, cão, galo, ou bode, de preferência pretos.
Umbanda: esta religião é de origem brasileira. Nasceu por
volta de 1908. Os umbandistas se reúnem em templos, centros, tendas ou
terreiros. O médium incorpora pretos-velhos, caboclos, exus, marinheiros,
baianos e ciganos, dentre outros e as pessoas que vão em busca dessas entidades
o fazem com o intuito de obterem ajuda e conselhos para suas vidas, além de
curas, descarregos, e soluções para problemas espirituais diversos. Os
umbandistas se auto intitulam como espiritismo de magia branca.
Quimbanda: trata-se de uma ramificação da umbanda em que
as forças negativas (espíritos atrasados) são manipuladas. Nas oferendas são
colocadas bebidas alcoólicas como cachaça, uísque ou conhaque, além de
charutos, velas, comidas e animais. É também chamada de magia negra. Despachos
para prejudicar ou atacar a vida de terceiros são praticados nesse ramo da
religiosidade afro-brasileira. Tendo em vista esses despachos, o cristão pode
“pegar” macumba?
A macumba pega no cristão?
A resposta para essa pergunta pode variar no
meio dos grupos evangélicos. Alguns representantes, principalmente de linhas
neopentecostais e cuja ênfase recai ao movimento de batalha espiritual,
acreditam que sim. Em contrapartida, as igrejas históricas, tradicionais e
pentecostais históricas (isso de uma forma genérica) acreditam que não. É
difícil rotular porque atualmente algumas igrejas históricas e tradicionais são
influenciadas pelas ideias que estamos discutindo.
Para os adeptos do movimento de guerra
espiritual o cuidado deve ser muito grande, pois objetos que tenham sido
supostamente consagrados a espíritos malignos podem afetar a vida dos crentes.
Essa crença é chamada de fetichismo, isto é, o culto supersticioso aos
fetiches, amuletos e talismãs. Koch define fetiche como “um objeto artificial
que se adora ou venera ou que é levado em cima para a segurança pessoal. Crê-se
que os fetiches estão dotados ou animados de certo poder”.[32]
Rebecca Brown, por exemplo, uma autora
conhecida do movimento de batalha espiritual ensina que, quando um feiticeiro
coloca objetos da pessoa que quer enfeitiçar (pedaço de cabelo, botão ou
fragmentos de roupa, unha ou o nome escrito ao invés de objetos pessoais) em
seu ritual, o faz com pelo menos 5 propósitos: 1) reclamar o local que está
realizando o feitiço para si e para satanás; 2) colocar demônios ao redor de
todo o limite da propriedade com o objetivo de guardá-la; 3) colocar demônios
especiais (abridores) que dão acesso à entrada para que o agoureiro possa
chegar à propriedade em projeção astral; 4) colocar demônios sentinelas a fim
de vigiar e informar tudo o que se passa naquela propriedade e 5) colocar
demônios que vão amarrar e cegar todos os que entrarem na propriedade,
aprisionando-os em jaulas.[33]
Nas religiões afro, esses demônios seriam os
guias, orixás, caboclos, pretos velhos, exus, etc. O meio para desfazer, ou
quebrar essas maldições seria examinar a área onde foi feito o feitiço, andar
sobre ele como um ato profético baseado na promessa mosaica (Dt 11.24),
declarar que o local é santo e pedir que Deus envie anjos para aquele local.[34]
A Dra. Brown, diz ainda, que o crente deve
tomar cuidado com os pertences que tem. É bom que vasculhe a casa, pois muitos
objetos que possui podem ter sido consagrados a demônios, até mesmo brinquedos
infantis.[35]
De acordo com Linhares, tais objetos devem
ser lançados fora, preferencialmente queimados ou destruídos.[36]
Existe até uma contradição com esse ensino, pois em alguns livros de batalha
espiritual, seus autores colocam fotos como ilustração para seus leitores. Será
que seus livros também deveriam receber tal destinação?
As maldições, provenientes de encantamentos,
mandingas, macumbas, ou de qualquer outro meio, traria efeitos não apenas a
pessoas, mas a locais também. Partindo desse pressuposto, teríamos que ter
muita cautela, pois hospitais, escolas, prefeituras, lojas, fábricas, restaurantes,
hotéis e até nossas igrejas podem estar sob a influência de uma macumba que
alguém fez.[37]
Ao contrário do estereótipo popular, a
maioria dos praticantes das religiões-afro no Brasil está concentrada no estado
do Rio Grande do Sul. Se aceitarmos a ideia de que os feitiços (macumbas)
trazem influência sobre locais, poderíamos então concluir que a rivalidade
entre gremistas e colorados está muitíssimo equilibrada nos terreiros gaúchos,
visto que seus times não têm tido muita expressividade no futebol brasileiro.
Considerações finais
O Brasil é um país místico por natureza. O
medo de “pegar” macumba é grande por parte de algumas pessoas. Por isso, alguns
andam com galhos de arruda na orelha, não saem de casa sem fazer “em nome do
Pai”, passam longe de uma oferenda na encruzilhada e fazem até simpatia para
afastar o mau-olhado.
Existem também os evangélicos que estão
sempre atribuindo à obra de macumbaria o fracasso de seus casamentos, o mau
negócio que foi empreendido, o filho que está nas drogas, etc. Sempre temos
alguns membros em nossas igrejas com dúvidas e até medo de ficarem
“macumbados”. Alguns adotam posturas supersticiosas e alguns ensinos têm
fortalecido essa prática no arraial evangélico.
Respondendo à pergunta da seção anterior:
não! O crente não pega macumba. Melhor dizendo, O cristão autêntico, aquele tem
vida com Deus, que não dá lugar ao diabo (Ef 4.27), que anda sóbrio e vigilante
(1 Pe 5.8), que resiste ao tentador (Tg 4.7), este sim, jamais ficará
“macumbado”. O Apóstolo João bem nos lembra: “sabemos que todo aquele que é
nascido de Deus não vive pecando; antes o guarda aquele que nasceu de Deus, e o
Maligno não lhe toca” (1 Jo 5.18). Balaque bem que tentou, mas “não há magia
que possa contra Jacó, nem encantamento contra Israel” (Nm 23:23a).
Notas
[1]
OLIVEIRA, José Henrique Motta. Entre a
Macumba e o Espiritismo: uma análise comparativa das estratégias de legitimação
da Umbanda durante o Estado Novo. UFRJ, 2007, p. 92.
[2]
CHAMPLIN, Norman. Enciclopédia de Bíblia,
Teologia e Filosofia. Candeia. Vol. 4. 1991, p. 23.
[3]
GIMBEREUÁ, Ogã. Ebós Feitiços no Candomblé. Eco, 1969; D'OBALUAYÊ, Batista. Feitiços e Ebós no Candomblé. Império da
Cultura LTDA, 2011.
[4]
GAARDEN, Jostein. O livro das Religiões.
Cia das Letras, 2001, p. 318.
[5]
BRAGA, Lourenço. Umbanda e quimbanda.
Spike, 1961, p. 12-15.
[6]
CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Kardecismo
e Umbanda. Pioneira, 1961, pp. 54,55.
[7]
Grande Dicionário Brasileiro
Melhoramentos Ilustrado, vol. 3, 1975.
[8]
TRINDADE, Diamantino Fernandes. Você sabe
o que é macumba? Você sabe o que é exu? Icone, 2013, p. 41.
[9]
OLIVEIRA. Op. Cit., p. 91.
[10]
CHAMPLIN. Op. Cit.
[12] CHAMPLIN. Op. Cit., p. 24.
[13]
RYRIE. Charles C.. Bíblia de Estudo
Anotada e Expandida. Mundo Cristão. Comentário sobre Nm 22.28.
[14]
BASTOS, Abguar. Os Cultos Mágico-Religiosos no Brasil. Hucitec, 1979, pp. 29,30.
[15]
LIMA, Delcyr de Souza. Analisando crenças
espíritas e umbandistas. Casa Publicadora Batista, 1970, p. 88.
[16]
GAARDEN. Op. Cit., pp. 317,318.
[17]
ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura
Iorubá: costumes e tradições. Dialogarts, 2006, p. 94.
[18]
Ibid, p. 97,98.
[19]
Ibid, p. 100.
[20]
Ibid, pp. 111,112.
[21]
COSTA, Valdeli Carvalho da. Umbanda: Os
“seres superiores” e os Orixás. Loyola, 1983, v. 1, p. 92.
[22]
CARNEIRO, Edson Apud MAGNANI, José Guilherme. Umbanda. Ática, 1991, p. 22.
[23]
OLIVEIRA. Op. Cit., p. 93.
[24]
NEVES Apud TRINDADE. Op. Cit., p. 41.
[25]
TRINDADE. Op. Cit., p. 16.
[27] MATHER, Georg; NICHOLS , Larry. Dicionário de Religiões, Crenças e
Ocultismo. Vida, 2000, p.152.
[28]
GAARDEN. Op. Cit., p. 318.
[29]
OLIVEIRA. Op. Cit., p. 93.
[30]
ORTIZ, Renato. A morte branca do
feiticeiro negro. Brasiliense, 1999, p. 46.
[31]
LIGIÉRO, José Luiz e DANDARA. Umbanda:
Paz, Liberdade e Cura. Nova Era, 1998.p. 65.
[32] KOCH, Kurt E. Ocultismo
y cura de almas. Clie. 1968, pp. 119, 120.
[33]
BROWN, Rebecca. Jaulas e Maldições. In: Vasos para Honra. Danprewan, 1998.
[34]
Ibid.
[35]
BROWN, Rebecca. Maldições não quebradas.
Danprewan, 2009, p. 43.
[36]
LINHARES, Jorge. Bênção ou Maldição. Getsêmani,
1992, p. 41.
Marcadores:
Revista Defesa da Fé
Servo do Deus Altíssimo, lavado e remido pelo Sangue do Cordeiro. Marido de uma mulher especial, Jaqueline e pai de dois filhos maravilhosos, Luís Otávio e Priscilla, presentes do Pai Celestial. Ministro da Igreja do Nazareno na cidade de Barroso, MG. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Castelo Branco, Bacharel em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, pós graduado em História da Teologia pela FaeteSF e em Ciência da Religião pela Universidade Cândido Mendes e Mestre em Ciências da Religião pelo Seminario Nazareno de las Americas de Costa Rica e mestrando em Teologia pela Faculdade Batista do Paraná. É palestrante nas áreas de apologética cristã, teologia sistemática, teologia arminiana e administração financeira doméstica, além de professor de Teologia Sistemática, articulista da Revista Defesa da Fé e autor dos livros “Os três Choros de José do Egito”, “A Verdade Sobre o G-12,” "Introdução à Teologia Armínio-wesleyana," "Culto cristão: origens, desenvolvimento e desafios contemporâneos" e "Em favor do arminianismo-wesleyano: um estudo bíblico, teológico e exegético de sua relevância na contemporaneidade."
10 considerações sobre o filme “Noé”
Estreado no
Brasil em 21 de Março desse ano, o filme Noé já gerou polêmicas desmedidas
antes mesmo de ter seu start up nos
cinemas. Países islâmicos como Qatar, Indonésia, Malásia, Kuwait, Bahrein e
Emirados Árabes, proibiram a exibição antes da estreia do longa. Tais nações
tomaram essa ação radical em função da representação imprópria, de quem os
muçulmanos consideram um de seus vinte e cinco profetas: Noé, cuja história é
narrada na sunna 71 do Alcorão.
O filme, lançado
pela Paramount Pictures, dirigido por
Darren Aronofsky e produzido por Scott Franklin, prometia ser uma grande
produção, com efeitos especiais e tecnologia 3D surpreendentes. O elenco é de
primeira: conta com Russel Crowe no papel de Noé, Anthony Hopkins como
Matusalém e Jennifer Connelly como a esposa de Noé. Além deles, estrelam no
filme, Emma Watson como a esposa de Sem, Douglas Booth como Sem, Logan Lerman
como Cam, Leo McHugh Carrol como Jafé e Ray Winstone como Tubal-Caim.
Em uma nota
emitida pelo site oficial, durante a pré-estreia do longa, líamos que: “O filme
é inspirado na história de Noé. Apesar de adquirida a licença artística,
acreditamos que o filme é fiel à essência, valores e integridade da história
que é pedra angular da fé de milhões de pessoas ao redor do mundo. A história
bíblica de Noé pode ser encontrada no livro de Gênesis”.[1]
Apesar dessa
nota e da expectativa de várias pessoas em relação à estreia, a fidelidade ao
relato bíblico é completamente frustrante e essa enorme quantidade de desvios
em relação à Bíblia, ofuscou todo brilho tecnológico e de efeitos especiais
produzidos para a película. Se por um lado o filme trouxe grandes
insatisfações, por outro rendeu 178,5 milhões de dólares em sua receita mundial,
logo em sua primeira semana de estreia.
Outros filmes baseados na Bíblia
O filme “Noé”,
lançado em 2014, não é o primeiro a conter erros estranhos às Escrituras. Com
uma produção bem menos requintada, o longa-metragem “A arca de Noé”, lançado em
1999, dirigido por John Irvin e estrelado por John Voight, faz confusões
bizarras a respeito da história bíblica.
Antes de Deus
destruir a terra através do dilúvio, Voight, interpretando Noé, intercede por
Sodoma e Gomorra, a fim de que o povo seja poupado. Ele pergunta: “Mas não há
chance de salvá-la, Senhor?”. Deus pergunta: “Salvá-la?”. E Noé responde: “É a
minha terra natal”. Então a divindade diz que se houver 50 pessoas honradas, as
cidades impenitentes seriam salvas. Mas Noé pergunta: “Cinquenta? Não dá pra
deixar por dez?”. Chega a ser hilária a confusão entre Noé e Abraão (cf Gn 18).
Em “A arca de
Noé”, nem todas as pessoas morreram no dilúvio. Em certa ocasião, não apenas um
navio pirata, mas quatro aparecem do nada tentando saquear e tomar para si a arca.
O líder desse bando era Ló. Sim, isso mesmo, você não leu errado. Teria Aronofsky
se inspirado nesse personagem quando pensou em Tubal-Caim?“A arca de Noé” seria
cômico se não fosse trágico!
Em “Abraão, o
pai da fé” (1993), é dito que Ló fez um ritual numa noite de lua cheia para que
sua esposa engravidasse, algo não mencionado em toda a Bíbllia. A chamada de
Abrão, na Bíblia, acontece após a morte de seu pai, Terá. No filme, entretanto,
o pai ainda está vivo. Logo após a saída de Abraão de sua terra, ele encontra
um escravo fugitivo da terra de Damasco, por quem paga alta quantia em favor de
sua liberdade. Adivinhe quem é o escravo: Eliézer.
Quando Abraão
chega a Canaã, encontra um povo que alega ser dono da terra. O líder deles diz
que seus ancestrais cavaram-na e encontraram um rio, plantaram árvores e
deixaram tudo da forma como Abraão encontrou. O referido filme, assim como os
demais que serão citados, é cheio de ocorrências extra e anti-bíblicas.
O que falar
de “Sansão e Dalila” (1996)? Dentre tantos equívocos, podemos citar a aparição
de um “mensageiro” dando a notícia da gravidez à esposa de Manoá e não Cristo,
na figura teofânica do Anjo do Senhor. Na mensagem, ele diz que o filho que
nasceria seria “nazareno” ao invés de “nazireu”.
Outra
curiosidade reside no fato de que, pela Bíblia, a mãe de Sansão corre e conta a
seu marido tal experiência. Ele, ao invés de duvidar de sua esposa, suplica a
Deus que para que envie novamente o homem que deu as boas novas (cf Jz 13.6,7).
No filme, entretanto, Manoá age de forma cética e duvida da possibilidade de
sua esposa ter um filho, visto ser ela estéril. A reaparição do Anjo do Senhor
a Manoá é simplesmente ignorada no longa em questão.
Outro
clássico é o filme “Os 10 mandamentos” (1956). Segundo o longa, Moisés teria
destruído alguma cidade a pedido de faraó e ele obedientemente voltou em
triunfo, enquanto era morador do Egito. Ele não seria apenas um líder militar,
mas também um líder político, pois trouxe o rei da Etiópia para fazer aliança
com o rei do Egito. Nefreti é uma linda moça egípcia, apaixonada por Moisés.
Quando ela fica sabendo por uma senhora hebraica da origem mosaica, mata a
mulher, a fim de encobrir a descendência de sua paixão.
Josué é uma
figura interessante. Sua primeira aparição na Bíblia acontece no acampamento de
Refidim, durante a batalha contra os amalequitas (cf Êx 17). No filme, porém,
Josué é um escravo ousado, um herói hebreu. Depois de bater num mestre de obras
egípcio, Josué é amarrado e está prestes a morrer, quando inesperada e
heroicamente aparece Moisés, o qual mata o mestre de obras e enterra-o na
areia, libertando Josué. Depois de vários anos, quando Moisés está vivendo em
Midiã, Josué o chama para exercer seu chamado de libertador do povo hebreu do
jugo egípcio.
Ainda de
acordo com “Os 10 mandamentos”, Datã, aquele que liderou a rebelião contra
Moisés no deserto, é um encarregado hebreu, em meio aos escravos conterrâneos.
Uma situação, sem sombra de dúvidas, fantasiosa. Poderíamos enumerar várias
outras incongruências, mas as que foram comentadas são suficientes.
Sabendo que
tais filmes abusam da licença artística e propagam, em alguns casos, erros
destruidores, qual deve ser a nossa reação perante tais obras cinematográficas?
Será que devemos ser radicais como os muçulmanos que optaram por proibir a
exibição do filme? Devemos agir com indiferença ou conformismo em relação aos
erros deles? Ou podemos assumir uma posição mais equilibrada e moderada a
respeito?
Como deve ser a nossa reação?
Trevin Wax
fez uma boa abordagem a respeito desse questionamento. De acordo com ele,
normalmente nos círculos evangelicais, acontecem dois tipos de reações: a
crítica e a celebradora.[2]
Os críticos
são fundamentalistas e estão mais preocupados com a precisão bíblica que o
filme deve tomar. Esses críticos aparecem em blogs, sessões de comentários ou
outros meios de comunicação a fim de expor os erros contidos nas obras. Ele
caricatura esse grupo sugerindo a seguinte reação:
“Se é ‘Jesus, A História do Nascimento’, eles
apontam que não sabemos se os sábios eram reis, ou se eles eram três; Se
é ‘O Príncipe do Egito’, eles
apontam que foi a filha de Faraó, não a sua esposa, que encontrou Moisés no
rio; Se é ‘Os Dez Mandamentos’, eles
nos lembram que não há registro bíblico de uma princesa egípcia dizendo
“Mooiiiséééés, Moooiiséééééés!” tantas vezes; Se é a série do History Channel ‘A Bíblia’, eles apontam que a Bíblia não
atribui movimentos ninjas aos anjos que ajudaram Ló a fugir de Sodoma.”
Em contrapartida,
temos os celebradores. Eles reagem positivamente e se sentem lisonjeados em
relação a qualquer película baseada na Bíblia, afinal, Hollyood está
“anunciando a Palavra” indiretamente ou até mesmo “fazendo a Bíblia parecer
legal”. Os filmes são usados até mesmo como ferramenta para evangelização. A
caricatura desse grupo é assim pintada por Wax:
“Se é ‘Todo Poderoso’, eles começam uma
discussão em grupo sobre como Deus pode ou não pode ser como Morgan Freeman; Se
é ‘A Paixão de Cristo’, eles
convidam seus amigos e vizinhos perdidos para um jantar e um banho de sangue; Se
é ‘Homem-Aranha 3’, eles
fazem uma série de sermões sobre vingança e a espiritualidade dos filmes de
super-heróis. Não importa o quão ruim o filme possa ser, é melhor do que sequer
abordar o tema. Faça o melhor que puder com um bom filme de Hollywood!”
Wax prossegue
em sua abordagem mostrando que “os críticos estão certos em manter uma visão
elevada da Bíblia e em julgar tudo pelo seu padrão”, bem como “à habilidade de
um filme em solidificar figuras mentais e detalhes em nossa mente, quer elas
reflitam bem a Bíblia ou não”. Ele também assevera que, os celebradores estão
certos “em ver uma oportunidade sempre que Hollywood entra na onda bíblica”,
afinal, é mais fácil “falar sobre coisas espirituais com os seus amigos e
vizinhos quando milhões de pessoas estão afluindo para filmes com temas
espirituais no fim de semana”.
Os erros das
duas posições, segundo Wax, é ver como sacrílega a licença artística por parte
dos críticos e esperar frutos espirituais que venham, não da Palavra, mas das
telas, por parte dos celebradores. Sua conclusão é que, cristãos devem assistir
ao filme “Noé” da mesma maneira que assistem a qualquer filme, usando de
discernimento e sabedoria. Não se deve, segundo Wax, “fazer excessiva
publicidade das falhas do filme e perder a oportunidade maior” e conclui,
mostrando que, “não devemos ver o filme como o mais promissor método de
evangelismo a aparecer hoje em dia, como se a Palavra de Deus precisasse de
representação visual para maximizar o seu poder”.
A posição de
Wax busca ser o mais moderada possível, entretanto, seu artigo foi escrito
durante a pré-estreia. Seria interessante saber sua opinião posterior à
exibição do filme. Não obstante, atendendo a uma análise biblicista de como
deve ser nossa reação, podemos comentar três coisas:
1) A solução
não é sermos radicais e proibirmos as pessoas de assistirem. A Bíblia não
favorece posicionamentos extremistas. Não é pela força e nem pela violência que
conseguimos convencer as pessoas. Aliás, a Bíblia diz que, “até importa que
haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós”
(1 Co 11.19 - ARC).
2) A solução
não é agirmos silenciosos, indiferentes ou acomodados. Não podemos nos
conformar com este século (Rm 12.2) e nem mesmo sermos amigos do mundo (coisas
corrompidas), pois nos tornaríamos inimigos de Deus (Tg 4.4). Todavia, isso não
quer dizer que devemos fazer manifestações, sairmos com dizeres e placas
condenando e tentando proibir a exibição, pois voltaríamos ao ponto 1.
3) Nosso
posicionamento deve exprimir a insatisfação para com as heterodoxias contidas
no longa, principalmente depois do fato dos produtores terem se comprometido em
serem fiéis “à essência, valores e integridade da história que é pedra angular
da fé de milhões de pessoas ao redor do mundo”. Devemos analisar, mas não
discutir (no sentido pejorativo). Devemos “responder com
mansidão e temor a todo aquele que (...) pedir a razão da [nossa] esperança” (1
Pe 3.15).
Embora a abordagem seja intrinsecamente relacionada aos protestos
populares, são muito úteis as considerações do Dr. Augustus Nicodemus: “a
maneira de a igreja influenciar e mudar a sociedade é, fundamentalmente, pela
pregação do Evangelho de Cristo, chamando governantes e governados ao
arrependimento de seus pecados e à conversão, pela fé, a Jesus Cristo. Mas, não
somente isto! Devemos, também, ter em mente que, pelo procedimento e pelo
exemplo, os cristãos se tornam sal e luz do mundo, quando suas obras de amor,
arrependimento e fé são vistas pelos incrédulos.”[3]
A visão do diretor e os perigos dos erros
cinematográficos
Miguel
Bambieri Jr., comentarista cinematográfico da Veja, comenta que “Aronofsky foi
ousado. Como o livro sagrado dá curtas pistas da história de Noé, o diretor
imaginou o que teria ocorrido antes, durante e depois do dilúvio”.[4]É
um argumento comum para a produção de filmes baseados em histórias bíblicas,
porém, enquanto algumas cenas foram oriundas de imaginação, outras extravasaram
a unidade doutrinária da Bíblia.
Aronofsky, em
uma entrevista concedida ao Washington Post,
é questionado sobre as “liberdades criativas” do filme e ele responde da
seguinte forma: “Onde
estão lá
liberdades? Encontre-me uma contradição que não
possa ser explicada. Claro que há
liberdades, quero dizer, nós estamos
fazendo um filme. Se você ler os
quatro capítulos onde ocorre a história
de Noé, veremos que Noé nem sequer
fala. Como você escala Russell Crowe e não o
tem para falar? A esposa de
Noé e suas três noras nem mesmo são nomeadas na Bíblia.”
Ele prossegue, dizendo: “Se
você ler a história de Noé, é muito simples. O personagem de Noé apenas constrói
a arca e recolhe
os animais. Mas as lutas, o esforço de
construir uma arca, de ser
responsável por todos os animais,
sendo responsável por sua família, não é totalmente explorado.”[5]
Apesar de entendermos que as lacunas precisam ser preenchidas para a produção
de um filme, sabemos que existe a possibilidade de preenche-las sem tornar
o longa anti-bíblico.
Cenas que
contrariam um preceito ou história da Bíblia normalmente confundem as pessoas
que se deparam com tais filmes. É o caso de “A última tentação de Cristo”. O
longa, lançado em 1988, foi dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Willem
Dafoe, Harvey Keitel, Barbara Hershey e David Bowie. Apesar de renomados atores
no elenco, o filme ilustra várias tentações em Cristo, como medo, dúvida,
depressão e relutâncias.
Além dessas
formas de tentação, o filme mostra Jesus imaginando-se envolvido em atividades
sexuais e sugere que Ele quase chegou a ter um relacionamento sexual com Maria
Madalena antes de iniciar sua vida monástica. A mulher adúltera de João 8.1-11,
é interpretada como sendo Maria Madalena. Muitas pessoas até pregam e ensinam
que era ela, baseadas no filme e não na Bíblia, que omite a identidade da
mulher adúltera.
“A última
tentação de Cristo” chegou a ser um pouco mais polêmico do que “Noé”. Grupos de
cristãos tentaram boicotar a exibição dele nos cinemas e algumas lojas e
locadoras de vídeo recusaram a presença deles em seus acervos. Alguns países
proibiram sua exibição por muitos anos, como é o caso do Chile, que só liberou
o longa após 15 anos de censura.
Martin
Scorsese acabou trazendo em seu filme, uma espécie de concepção nestoriana de
Cristo. Nestório chegou a ser Arcebispo de Constantinopla e viveu de 386 a 451.
Ele ensinava que Jesus era hospedeiro de Cristo. No filme, Jesus é um
marceneiro que faz as cruzes com as quais os romanos crucificam seus
opositores. Ele vive atormentado por pesadelos e visões, desconhecendo o real
significado dessas “alucinações” e se auto-flagelando por isso, até que foge
para um mosteiro. Lá, ele tem uma visão decisiva e reveladora, e somente depois
dela é que ele toma consciência do seu papel como o tão aguardado messias. O
Jesus desse filme não passa de um profeta, um pecador nato. A Bíblia,
entretanto, assegura-nos que Cristo tinha consciência de sua identidade ainda
enquanto criança (cf Lc 2.49, 50).
Os erros dos
filmes baseados na Bíblia induzem milhares de pessoas que não se preocupam em
ler o livro Sagrado, a repassarem e até mesmo a acreditarem na história reproduzida
nas telas. Alguns erros não chegam a afetar a ortodoxia cristã, mas,
incongruências como as do filme “A arca de Noé” podem misturar as coisas nas
cabeças das pessoas. Não obstante, a apresentação de um Deus mutável, sujeito a
sombra de variações que tal filme passa, afeta a concepção de pessoas que não
conhecem profundamente a divindade cristã.
O filme
“Noé”, por sua vez, mostra a figura de um Deus malvado, completamente
transcendente e não imanente. Vai de encontro com a profissão de fé cristã em
relação ao criacionismo, mostrando o evolucionismo como parte da tradição da
descendência de Noé. Transforma demônios, seres maus, em seres bons, heróis de
renome que ajudaram não apenas Noé a construir a arca, mas a humanidade
pré-diluviana. Aliás, são tantas distorções, que o maior perigo de tal filme
reside na contribuição para o aumento do ceticismo. Se o amado leitor acha que
é exagero, vejamos os 10 principais erros que o longa-metragem “Noé” apresenta:
Os erros do filme “Noé”
1) Depois que
Caim mata seu irmão Abel, ele é acolhido por uma legião de guardiões. Esses
guardiões são, segundo o filme, os anjos caídos e ajudaram a humanidade
pré-diluviana na habilidade de trabalhar com metais e outros tipos de serviços
afins. Segundo a Bíblia, Caim fugiu errante sobre a terra, mas não foi acolhido
por anjos ou demônios e sim por parentes próximos. Além do mais, não foram
outras formas de vida que auxiliaram o homem no desenvolvimento tecnológico,
mas eles próprios iniciaram tais atividades (Gn 4.20ss);
2) Um dos
maiores problemas do filme é apresentar os anjos caídos como seres
injustiçados. O motivo pelo qual eles teriam sido expulsos, não é a rebelião
luciferiana, mas uma suposta ajuda não liberada por Deus a Adão. A sensação que
o filme passa é que Deus foi injusto com eles, pois só queriam ajudar. Sendo
impedidos de prestar tal auxílio a Adão, tornaram-se enormes monstros de pedra,
os nefilins de Gênesis 6 (que mais
parecem os transformers). As
Escrituras, entretanto, mostram que os anjos caídos são os demônios (Lc
11.14-20), não possuem natureza corpórea (Mt 10.1; 2 Co 11.14; Ap 16.13,14), não
ajudam a ninguém (Jo 8.44; 10.10), são adversários de Deus e dos homens (Zc
3.1; At 13.9,10; 1 Pe 5.8) e que foram expulsos do céu em função de uma
rebelião contra Deus (Lc 10.17-19; Ap 12.4-9);
3) Lameque,
pai de Noé, teria morrido quando este ainda era pequeno, uma criança que partia
para a adolescência. Além disso, eles viviam como que foragidos de uma raça
completamente contaminada pela maldade. A impressão que dá inicialmente, é que,
Aronofsky estava sugerindo mais uma teoria para o debate filhos dos homens x
filhas de Deus de Gênesis 6, mas no decorrer do filme, percebe-se que não é
isso. A Bíblia chama Noé de pregador de justiça (2 Pe 2.5) e mostra que as
pessoas que rejeitaram a mensagem de Noé em seus dias estão aprisionadas no hades (1 Pe 3.18-20). Além disso, não há
como abrir nenhum precedente para a ideia de um campo de refugiados, como o
filme tenta passar. As pessoas moravam juntas em comunidade. Não obstante, o
pai de Noé morreu cinco anos antes do dilúvio (Gn 5.30; 7.11);
4) A Bíblia
não relata o tipo de relacionamento que Matusalém e Noé tiveram. Embora algumas
pessoas possam pensar, de imediato, que os dois não foram contemporâneos, lemos
que Matusalém morreu no ano do dilúvio, pois viveu 782 anos depois que gerou a
Lameque, seu filho (Gn 5.25ss). No filme, Matusalém morre através do dilúvio e
é uma possibilidade real, visto que a Bíblia silencia-se a esse respeito. A
única ressalva é a forma como Matusalém vive: isolado numa montanha e protegido
pelos “guardiões”. A impossibilidade desse fato é explicada nos tópicos
anteriores. Outra possibilidade é a contemporaneidade de Tubal-Caim e Noé, pois
na árvore de gerações, corresponde ao mesmo nível de Lameque (anexo 1). Apesar
da possibilidade, a liderança do descendente de Caim é completamente imaginativa
e bem mais ainda a sua sobrevivência ao dilúvio;
5) Durante a
construção da arca, diga-se de passagem que era uma engenharia bem superior
para a época, os anjos caídos ajudam Noé a edifica-la. Quando a chuva chega, os
homens resolvem lutar a fim de tomarem a arca para eles, mas Noé e sua família
é protegida e auxiliada pelos “guardiões” de pedra. O exército de rebeldes,
liderado por Tubal-Caim, trava uma épica batalha contra os demônios. Aquelas
enormes criaturas de pedra vão perdendo espaço tempo a tempo e quando uma delas
está prestes a morrer, suplica pela misericórdia divina, que em sua estranha
benignidade, acolhe o anjo caído ao lugar original de outrora. Depois desse, um
a um vai retornando ao céu. A Bíblia, por outro lado, mostra que para os
demônios, não há possibilidade de arrependimento e retorno celestial, antes, o
lago de fogo e de enxofre fora preparado para o diabo e seus anjos (Mt 25.41;
Ap 20.10);
6) A fim de
contrariar a Bíblia, entram na arca apenas a esposa de Noé e seus filhos (Sem,
Cam e Jafé). O único que tinha uma esposa era Sem. Cam bem que tentou, mas seu
pai não deixou. De acordo com o filme, Noé havia entendido de Deus, que nem
mesmo eles deveriam sobreviver. Como não poderiam mais procriar, arranjar mais
esposas era algo inútil. A Bíblia, todavia, mostra que entraram oito pessoas na
arca: Noé, a esposa, os três filhos e três noras (Gn 7.1, 13; 1 Pe 3.20);
7) Durante o
dilúvio, Noé faz uma reunião familiar na arca e conta a eles o que seus
descendentes ensinavam tradicionalmente. Enquanto ele vai contando a origem do
mundo, as imagens da película vão passando gráficos de um evolucionismo
misturado com a ideia do Big Bang: um peixe que vai se transformando em ave,
outro peixe que vai se transformando em um animal que rasteja, que por sua vez vai
se transformando em vários outros rastejantes e outros que se arrastam, passando
por ruminantes, ursos e todos os tipos de animais, até chegar num macaco. Para
completar o cúmulo do darwinismo, ficou faltando apenas o macaco se transformar
num homem, embora a cena pareça sugerir isso. Essa ideia contraria
completamente o criacionismo bíblico. As Escrituras não abrem espaço para esse
tipo de cogitação!
8) Bem, não
era para haver procriação, mas a esposa de Sem engravida. Quando ela vai dar a
notícia para Noé, este fica tomado de ira e profere maldições de todo tipo. Sua
conclusão é de que, se for menina morrerá assim que nascer, mas se for menino,
será o último a morrer de velhice. Para loucura de Noé, nasce não apenas uma
menina, mas gêmeas. Ele fica possuído de ódio e vai em busca do suposto
cumprimento da ordenança divina de mata-las. Nenhum argumento de sua nora,
esposa e filhos, é capaz de aplacar sua fúria. Indiscutivelmente, o Noé deste
filme é um lunático, sanguinário e religioso fanático. Essa caricatura
contradiz completamente a revelação bíblica. Não somente isso, a forma como as
coisas vão se desenrolando, caricatura não apenas Noé, mas o próprio Deus como
alguém severo, maligno, indiferente e egoísta, uma divindade fruto da
imaginação humana;
9) A boa
notícia é que Noé não matou as gêmeas. Ele ficou penalizado e tomado de
compaixão. O filme faz parecer que Noé foi mais benigno do que Deus. Mas isso o
levou a se sentir falho para com a divindade e afundou-se em uma profunda
depressão. Depois que as águas baixaram, Noé abandonou a família e foi morar
isolado numa caverna. Por lá, ele plantou uma vinha e se embebedava
freneticamente. Pelo menos é assim que Aronofsky interpreta a passagem de
Gênesis 9.20-28. Para piorar a imagem noética, só ficaram faltando as palavras
imprecatórias ao neto Canaã. Mas, como Cam não era casado no filme, não teve
como passar essa ideia;
10) Por
último, mas não menos importante, o filme é um tanto quanto místico. Noé recebe
seu chamado de uma forma bastante esquizofrênica. Ele tem visões, sonhos,
inquietações e alucinações mostrando-lhe a destruição em massa. Em outro
trecho, Matusalém coloca a mão no ventre da esposa de Sem e ela, que segundo o
filme era estéril por causa de um ferimento que os rebeldes fizeram-na enquanto
criança, recebe uma experiência sobrenatural e é curada por uma força ativa.
Sem falar da pele da serpente que os homens carregavam. Essa pele era um
direito da linhagem de Sete e continha poderes mágicos. Contudo, como uma relíquia
oriunda da serpente, símbolo do mal, poderia ser herança da linhagem piedosa de
Sete?
Considerações finais
O filme
possui inúmeras outras inconsistências que não foram abordadas. O presente
artigo não pretendeu analisar a película sob o olhar de um crítico de cinema,
mas segundo a visão bíblica, partindo de uma premissa judaico-cristã. Conforme
vimos anteriormente, em uma nota oficial, a equipe de produção do longa
publicou que, “o filme é fiel à essência, valores e integridade da história que
é pedra angular da fé de milhões de pessoas ao redor do mundo”. Todavia, ele
deixou a desejar nos três quesitos que se propôs ser fiel: essência, valores e
integridade da história.
Sua
infidelidade à essência pôde ser vista na inversão de valores que a obra faz de
Deus e do próprio Noé. Ela faz de anjos caídos (demônios), seres benevolentes e
injustiçados e torna a graciosidade de Deus em malevolência. Se a história
bíblica deseja mostrar o favor imerecido de Deus frente à impiedade humana, o
filme mostrou o contrário: um Deus vingativo, mal e que não se importa com
ninguém. Absolutamente, o “Criador”, citado no filme, não é o Deus das
Escrituras Sagradas e tampouco o Noé, interpretado por Crowe, é o Noé da
Bíblia.
A
infidelidade aos valores pode ser verificada nos discursos apregoados pelo
sistema judaico-cristão. Noé é um exemplo de homem piedoso, alguém que andava
na contramão do mundo de sua época. Por isso é que ele achou graça aos olhos de
Deus. Contudo, o Noé do filme não passa de um lunático, de um religioso
fanático. O perfil noético proferido no filme, nem de longe se enquadra no
testemunho escriturístico (cf Ez 14.14-20; 2 Pe 2.5; Hb 11.7). Além disso, o
filme fere valores cristãos quando tenta conciliar o evolucionismo com o
criacionismo.
A infidelidade
à integridade da história nem sequer precisa de muitas explicações, tendo em
vista toda uma sessão do presente artigo que foi dedicada às incongruências do
filme em relação à história narrada na Bíblia. Os efeitos especiais, a
tecnologia empregada, o estrelato do elenco, dentre tantas coisas que poderiam
tornar o filme em uma mega produção, simplesmente tiveram seus brilhos
ofuscados pela pérfida versão que foi transmitida no longa-metragem “Noé”, que
passou em questão de minutos de fantástico para esdrúxulo.
Anexo 01 – Genealogia das primeiras
gerações após Adão
Notas
[1] LEE, Morgan. 'Noah' Movie Director Denies Controversy, Says Film
Will Challenge Preconceptions Non-Believers Have About Bible Movies. Disponível
em: http://www.christianpost.com/news/noah-movie-director-denies-controversy-says-film-will-challenge-preconceptions-non-believers-have-about-bible-movies-115787/.
Acesso em 12 de Abril de 2014.
[2]
WAX, Trevin. Como os cristãos devem
reagir ao filme Noé? Disponível em: http://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/04/como-os-cristaos-devem-reagir-ao-filme-sobre-noe/.
Acesso em 16 de Abril de 2014.
[3]
NICODEMUS, Augustus. O Cristão pode
participar dos Protestos Populares? Revista Defesa da Fé, ano 13 - n° 104,
Julho / Agosto de 2013, p. 39.
[4]
BARBIERI, Miguel. Noé: licenças e
diferenças entre o filme e a Bíblia. Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/blogs/miguel-barbieri/2014/04/03/noe-filme-biblia-diferencas-licencas/.
Acesso em 14 de Abril de 2014.
[5] BAILEY, Sarah Pulliam. A conversation with ‘Noah’ director Darren
Aronofsky. Disponível em: http://www.washingtonpost.com/national/religion/a-conversation-with-noah-director-darren-aronofsky/2014/03/28/8c469388-b46d-11e3-b899-20667de76985_story.html.
Acesso em 14 de Abril de 2014.
Servo do Deus Altíssimo, lavado e remido pelo Sangue do Cordeiro. Marido de uma mulher especial, Jaqueline e pai de dois filhos maravilhosos, Luís Otávio e Priscilla, presentes do Pai Celestial. Ministro da Igreja do Nazareno na cidade de Barroso, MG. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Castelo Branco, Bacharel em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, pós graduado em História da Teologia pela FaeteSF e em Ciência da Religião pela Universidade Cândido Mendes e Mestre em Ciências da Religião pelo Seminario Nazareno de las Americas de Costa Rica e mestrando em Teologia pela Faculdade Batista do Paraná. É palestrante nas áreas de apologética cristã, teologia sistemática, teologia arminiana e administração financeira doméstica, além de professor de Teologia Sistemática, articulista da Revista Defesa da Fé e autor dos livros “Os três Choros de José do Egito”, “A Verdade Sobre o G-12,” "Introdução à Teologia Armínio-wesleyana," "Culto cristão: origens, desenvolvimento e desafios contemporâneos" e "Em favor do arminianismo-wesleyano: um estudo bíblico, teológico e exegético de sua relevância na contemporaneidade."
Assinar:
Postagens (Atom)