segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Simonia e o Triunfalismo

2 Co 2.17 – “Porque nós não somos falsificadores da Palavra de Deus, como tantos outros; mas é com sinceridade, é da parte de Deus e na presença do próprio Deus que, em Cristo, falamos

A Igreja Primitiva experimentou em seus primeiros anos um período em que todos “estavam unidos e tinham tudo em comum” (At 2.44). Eles perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão. A palavra comunhão no grego é koinonia e ela deriva de koinós que significa comum. Assim sendo, aqueles irmãos tinham um único modo de pensar. Apesar da diversidade de dons, ministérios e da individualidade de cada um, a doutrina era una e todos falavam a mesma linguagem. Jesus, porém, já havia ensinado em uma de suas parábolas que, embora o Filho do Homem tenha lançado a boa semente (a Palavra) no campo, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e retirou-se (Mt 13.24-30). Com o crescimento da Igreja, alguns permitiram a entrada de fermento contaminando a massa e inchando o cristianismo (1 Co 5.6,7). Com esse fermento, foi inevitável o aparecimento de falsos profetas e mercadores da Palavra de Deus.

Desde os primórdios da Igreja, os Apóstolos refutaram várias seitas e heresias que se levantaram em meio ao arraial Primitivo. Dentre elas, podemos destacar os legalistas, combatidos por Paulo em sua epístola aos gálatas e alvo do concílio de Jerusalém (Gl 5.1-9; At 15.1-29); os nicolaítas seguidores de Nicolau (alguns especulam ser um dos diáconos escolhidos em At 6.5, mas não se tem certeza) os quais ensinavam não haver problemas em comer comidas sacrificadas a ídolos e a viver em fornicação (At 2.6,14,15); semelhantemente, ensinos de uma pseudo-profetisa, Jezabel, que seduzia alguns para a prostituição e para comer comidas sacrificadas a ídolos (Ap 2.20,21); o gnosticismo, que pregava um exclusivismo privilegiado de alguns para com um conhecimento secreto, além de misturar fontes místicas e negar a natureza humana de Cristo (1 Jo 4.1-3); falsos Apóstolos, que se auto intitulavam para o ministério, mas foram achados por mentirosos (Ap 2.2); e, ainda, os mercadores da Palavra de Deus, homens sem escrúpulos e que se aproveitavam da fé alheia, falsificando a verdadeira fé e tendo a piedade como fonte de lucro (2 Pe 2.1-3; 1 Tm 6.3-10).

Essa comercialização da fé já existia, mas evoluiu na mesma proporção que a tecnologia e a ciência humana. Criticar a ICAR pelas indulgências do século III ao XV já não adianta mais. Hoje, muitos tele-evangelistas e mega igrejas “evangélicas” estão praticando o mesmo através das campanhas triunfalistas, baseadas em atos heróicos de bravos homens do Antigo Testamento. Já ouviu falar de campanhas do tipo “derrubando as muralhas de Jericó”, “saindo do ventre do peixe”, “derrotando gigantes”, “semana do sopro ungido”, “campanha dos trocentos pastores”, “caravanas especiais a Israel”, etc, etc, etc? Não me refiro a campanhas sérias de oração, promovidas por ministério sérios e sim a grupos em que a simonia é evidente. Há alguns dias fiquei sabendo de uma campanha em que foram feitos alguns bonecos de três metros de altura, simbolizando Golias. Esse boneco tinha um buraco no meio do peito e a pessoa que queria derrubar o gigante que perturbava sua vida deveria comprar uma pedra em valores variados e arremessar nesse buraco, a fim de vencer a adversidade que vivia. Imagine só, você entra na igreja e escuta o pastor dizendo algo mais ou menos assim: “Deus não precisa do seu dinheiro, o valor dessa pedra não é simplesmente para doar a Deus, mas um ato de fé. Pela fé é que os antigos alcançaram testemunhos. Sem fé é impossível agradar a Deus. Aquele que recua a minha alma não tem prazer nele. Quem é que pode comprar aqui? São apenas R$ 1.000. Vamos lá, pela fé. Vamos derrubar o gigante que está assolando sua vida...”.

Bem, pode ser que alguns termos não lhe sejam familiares. Então para facilitar seu entendimento, vamos compreendê-los. O que é triunfalismo e o que é simonia? O primeiro é uma atitude de confiança absoluta ou excessiva no sucesso. Os evangelistas triunfalistas são aqueles que sugerem através de técnicas psicológicas a doação de ofertas gordas através da fé, induzindo as ovelhas despreparadas a barganhar uma vitória ou até mesmo a aquisição de objetos místicos para conceder a bênção pelo o que se busca (copos com água, anéis, flores, lenços, pedras ou areia da terra santa, meias, canetas, dentre vários itens supostamente “ungidos”). Já o segundo termo, procede do nome Simão, o mágico de Samaria que intentou comprar o dom do Espírito Santo (At 8.18-21). Ele achou que poderia comprar coisas espirituais com coisas naturais. Os profetas e evangelistas do triunfalismo lançam mão de técnicas da psicologia para tocar a emoção das pessoas e também de interpretações descontextualizadas da Bíblia, com uma péssima hermenêutica (ciência da Teologia que ensina os métodos de interpretação da Bíblia).

Uma das ferramentas para a interpretação bíblica é a chamada exegese. O vocábulo “exegese” significa “exposição, explicação”. É a prática da hermenêutica sagrada que busca a real interpretação dos textos que formam, no caso, o Antigo e o Novo Testamento. Do Grego exégesis, explicação, crítica e interpretação dos livros do Antigo e Novo Testamento, e, em geral, dos textos sagrados, interpretação, história,  explicação do texto das leis, comentário. É uma ferramenta de interpretação de dentro para fora. No texto base do presente artigo, o Apóstolo Paulo diz que “não somos falsificadores da Palavra de Deus”. Na era hodierna da Igreja, os líderes triunfalistas são especialistas em fazer o contrário da exegese, o que é chamado de eisegese, uma interpretação peculiar e tendenciosa de um texto bíblico vem de fora para dentro. A ser­pente, no Éden, argumentou com Eva algo que Deus não havia falado: “É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (cf Gn 2.16,17; 3.1). Da mesma forma satanás citou fora do contexto o salmo 91.11 (Mt 4.5,6) quando tentou a Cristo no deserto. Isso é o que se denomina de eisegese. Da mesma forma, são os artifícios atuais dos triunfalistas e Teólogos da Prosperidade

Segundo Esdras Bentho1, o intérprete que pratica a eisegese, a faz das seguintes formas:

1) Quando força o texto a dizer o que não diz. O intérprete está cônscio de que a interpretação por ele asseverada não está condizente com o texto, ou então está inconsciente quanto aos objetivos do autor ou do propósito da obra. Entretanto, voluntária ou involuntariamente, manipula o texto a fim de que sua loquacidade possa ser aceita como princípio escriturístico.

2) Quando ignora o contexto, sob pretexto ideológico. Ignorar o contexto é rejeitar deliberadamente o processo histórico e lingüístico que deu margem ao texto. O intérprete, neste caso, não examina com a devida atenção os parágrafos pré e pós-texto, e não vincula um versículo ou passagem a um contexto remoto ou imediato. Uma interpretação que ignora e contraria o contexto não deve ser admitida como exegese confiável.

3) Quando não esclarece um texto à luz de outro. Os textos obscuros devem ser entendidos à luz de outros e segundo o propósito e a mensagem do livro. Recorrer a outros textos é reconhecer a unidade das Escrituras na correlação de idéias. Por vezes, pratica-se eisegese por ignorar a capacidade que as Escrituras têm de interpretar a si mesmo.

4) Quando põe a ‘revelação’ acima da mensagem revelada. Muitos intérpretes colocam a pseudo-revelação acima da mensagem revelada. Quando assim asseveram, procuram afirmar infalibilidade à sua interpretação, pois Deus, que ‘revelou’, autor principal das Escrituras, não pode errar. Devemos ter o cuidado de não associar o nome de Deus a mentira.

5) Quando está comprometido com um sistema ou ideologia. Não são poucos os obstáculos que o exegeta encontra quando a interpretação das Escrituras afeta os cânones doutrinários e as tradições de sua denominação. Por outro lado, até as ímpias religiões e seitas encontram falsas justificativas bíblicas para ratificar as suas heresias. Kardec citava a Bíblia para defender a reencarnação! Muitos movimentos sectários torcem as Escrituras. Utilizar as Escrituras para apologizar um sistema ou ideologia pode passar de uma eisegese para uma heresia aplicada.”



Notas
_______________________

1 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. 3.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2005,69-72.) Leia mais Revista Ensinador Cristão CPAD, no 26, pág. 41

Nenhum comentário:

Postar um comentário