Houve na
história da Igreja Católica Apostólica Romana uma mulher assumindo o cargo mais
alto da organização religiosa? Será que alguma vez aconteceu de uma mulher
suceder a cadeira de Pedro?[1] Esse assunto já foi palco de grandes debates
nos séculos que precederam a Reforma, ficou adormecido por certo tempo e tem ganhado
corpo nos últimos anos, principalmente em função do Best-Seller “Papisa Joana”
de autoria de Donna Wolfolk Cross lançado em 1996 e do filme “A papisa Joana”,
baseado no livro citado anteriormente, dirigido por Sönke Wortmann e lançado em
2009 na Alemanha. Existe, ainda, outro filme um pouco mais antigo, “Papisa
Joana”. Ele foi lançado na Grã-Bretanha em 1972 e dirigido por Michael
Anderson.
O tema vem conquistando
espaço por alguns sedentos de teorias anticlericais e não é difícil encontrar
as mais variadas opiniões em meio aos blogueiros e internautas de plantão. Embora
seja tida pela maioria dos historiadores modernos e estudiosos religiosos como
fictícia, possivelmente originada de uma sátira antipapal, o assunto merece a
nossa reflexão. Até mesmo o National Geographic Chanel preparou em 2010 uma
série de documentários sob o tema “Arquivos Confidenciais” em que aborda a
biografia de pessoas que deixam os estudiosos intrigados, a saber, Hitler,
Zorro, Capitão Kidd, Alexandre o Grande, Marco Polo, Saladino, Billy The Kid,
Cleopatra, Robin Hood, Jack o estripador, Nostradamus, Rasputin, Joana D’Arc,
Rei Arthur, dentre outros e dedicou um dos episódios à papisa. Afinal, é a
Papisa uma lenda ou uma história real?
Principais Referências
O monge
irlandês Marianus Scotus (1028-1083) está entre os primeiros a escrever sobre a
papisa. Ele se tornou monge em 1052 e teve sua vida monástica aprovada pelos
mosteiros nos quais passou, de Saint Martin em Colónia e de Fulda, e em Mainz ,
morrendo em Dezembro de 1082 ou 1083 e sendo sepultado na Catedral de Mainz,
cidade esta que 200 anos antes via nascer Joana.
Marianus
escreveu em sua “Storia sui temporis
clara’’ que, “o papa Leão morreu nas calendas de agosto. Foi sucedido por
Joana, uma mulher, que reinou durante dois anos, cinco meses e quatro dias”[2].
Martinho de
Opava é uma das principais personalidades a defender a existência de Joana. Ele
fez parte da Ordem de Pregadores em sua juventude, o que o fez ficar conhecido
como Martinus Polonus. Em meados da década de 50 do século XIII foi nomeado
capelão papal por Clemente IV e Arcebispo de Gnesen em 1278 por Nicolau III,
ano em que morreu. Como capelão papal por cerca de vinte anos, Martinho teve
acesso a vários documentos do Vaticano. Em "Chronicon Pontificum et Imperatum", ele escreve:
“John
Anglicus, nascido em Mainz, foi papa durante dois anos, sete meses, e quatro
dias, e morreu em Roma, pelo que depois ficou vago o cargo de papa durante um
mês. Reivindica-se que este João foi mulher, que quando moça fora levada a
Atenas vestida com roupas de homem por certo amante seu”[3].
De acordo
Martinho de Opava, Joana era filha de um casal inglês que residia em Mainz, na
Alemanha. Em sua fase adulta, Joana se apaixonou por um monge e eles acabaram
indo para Atenas. Depois de três anos foram para Roma e, a fim de preservar seu
relacionamento e de evitar escândalos, ela travestiu-se de homem e se passou
por monge, sob o nome de Johannes Angelicus e ingressou no mosteiro de São
Martinho. Chegou a ser nomeada Cardeal e após a morte de Leão IV foi eleita por
unanimidade ao cargo de Papa em 17 de Julho de 855.
Ela teria
conseguido manter sua identidade oculta por certo período, mas após engravidar,
não tendo em conta o tempo em que a criança haveria de nascer, começou a sentir
as dores de parto durante uma procissão numa rua estreita, entre o Coliseu de
Roma e a Igreja de São Clemente e acabou dando à luz em meio à multidão, que
reagiu atando-a em um cavalo e apedrejando-a até a morte.
A primeira
pessoa a registrar tal assunto foi Anastasius, o bibliotecário, autor do “Liber Pontificalis”, uma coleção de
biografias papais que vai até Nicolau I (858-67). Anastasius viveu no mesmo
período de Joana e em seu escrito biográfico, podem ser encontradas palavras
idênticas às de Martinho. Seu manuscrito pode ter sido uma das fontes para o "Chronicon Pontificum et Imperatum"
de Polonus.
Outras Referências
Outra pessoa
que cita a existência de Joana é o historiador e monge beneditino Sigeberto de
Gembloux (1030 – 1113). Em sua "Chronographia",
escreveu: “Houve rumores de que esse João era uma mulher e era conhecida como
tal apenas por um companheiro que teve relações com ela e a deixou grávida. Ela
deu à luz quando era papa. Por isso certas pessoas não a incluem na lista dos
papas, razão pela qual ela não tem um número em seu nome"[4].
Godofredo de
Viterbo, historiador e secretário dos imperadores Henrique VI, Conrado III e
Frederico I, escreveu uma crônica denominada de “Panteão”. Ele traça a história
desde Adão até o ano de 1186. Godofredo comenta que, “Joana, a papisa, não é
contada depois de Leão IV”[5].
Há, ainda, o
relato de Jean Pierier de Mailly, cronista dominicano francês da cidade de
Metz, que viveu em meados do século XIII. Em sua obra “Chronica universalis Mettensis”, ele diz que “Há uma interrogação a
respeito de um certo papa, ou melhor, papisa, que não é incluído na lista dos
papas de Roma porque era uma mulher que se disfarçava de homem e a motivo de
seus grandes talentos tornou-se secretário curial, cardeal e papa. Um dia, quando
montava a cavalo, deu à luz uma criança”[6].
Esse fato, entretanto, diverge do relato de Polonus, sendo datado por Jean mo
ano de 1099.
Estevão de
Bourbon, outro dominicano francês, usou a obra de Jean de Mailly como fonte
para seu “Diversis Materiis
Praedicabilibus”, mas data o ocorrido em 1100, diferentemente de sua fonte
e abomina a atitude de Joana, dizendo:
“Mas uma
ocorrência de maravilhosa audácia ou mesmo insanidade aconteceu por volta de AD
1100, conforme é relatado nas crônicas. Certa mulher, culta e bem versada na
arte notarial, adotando roupas masculinas e fingindo ser homem, chegou a Roma.
Por sua diligência, assim como seu saber em letras, foi nomeada secretário
curial. Depois, sob a direção do Demônio, foi feita cardeal e finalmente papa.
Tendo ficado grávida, deu à luz quando montava (um cavalo). Mas quando a
justiça romana foi informada disso, ela foi arrastada para fora da cidade,
amarrada pelos pés aos cascos de um cavalo, e ao longo de meia légua foi
apedrejada pelo povo.”[7]
Teodorico
Engelhusius diz em sua “Chronicon”
que, “ela era chamada de João Anglicus. Ela não é contada entre os papas. Ela
se tornou grávida e deu à luz um filho em procissão”[8].
Motivos para acreditar na existência da
papisa
De acordo com o
Professor aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo, Carlo Bússola,
em uma série de artigos intitulados “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”
publicados no Jornal “A Tribuna” de Vitória – ES, apesar de todos os esforços para
negar a existência da papisa, existem quatro motivos fundamentados para crer na
veracidade da história desta mulher. Vejamos a seguir:
1. A rua evitada
Conforme vimos
anteriormente, conta-se que Joana deu à luz enquanto a procissão passava por
uma rua estreita entre o Coliseu de Roma e a Igreja de São Clemente. Há relatos
que, após esse episódio, a rua estreita, local onde aconteceu o trágico parto
da papisa, passou a ser evitada, bem como impedida de receber as procissões
subsequentes.
Certo bispo de
Estrasburgo, por nome João Burchard, e também mestre de cerimônias papal,
relata em seu Liber Nitarum que
recebeu uma crítica bastante severa por ter rompido com essa tradição enquanto
organizava uma procissão para o papa Inocêncio VIII:
“Na ida e na
volta, ele (o papa) passou pelo Coliseu e por aquela rua reta onde está
localizada a estátua da papisa (imago
papissae), como sinal de que, segundo dizem, João VII Anglicus lá deu à luz
uma criança. Por essa razão, muitos dizem que nunca é permitido aos papas
passar por lá a cavalo. Por isso, o Senhor Arcebispo de Florença, o Bispo de
Massano e Hugo de Bencii, Subdiácono Apostólico, fizeram-me uma reprimenda.”[9]
Burchard
continua seu relato dizendo que, foi se informar desse assunto com o Bispo de
Pienza, o qual lhe disse que evitar tal rua era tolice e heresia e que
desconhecia qualquer documento que proibia tal travessia. Entretanto, fica mais
do que evidente, que havia uma tradição de evitá-la, tradição esta que levou
outros três líderes católicos a repreendê-lo veementemente. Não obstante, o
próprio Burchard afirma que não apenas esses três, mas “muitos” diziam que era
proibido passar um papa naquela localidade. Com isso, entendemos que Burchard,
o Bispo de Pienza e possivelmente outra minoria não ligavam para essa tradição,
mas que a tradição era viva. Outra observação interessante é a de que Burchard
não questiona a existência da papisa.
Alguns
defensores modernos de que a história da papisa não passa de um mito, explicam
que a rua era evitada não pelo fato de ter supostamente ocorrido tal
atrocidade, mas que em função de ser estreita, isso dificultava a passagem de
uma multidão de pessoas durante uma procissão. O fato de essa rua ser estreita,
entretanto, não atrapalhou em nada o evento organizado por Burchard, conforme
vimos anteriormente.
2. A pedra memorial
Tempos depois
da morte da papisa foi posto nesse trajeto uma estátua de uma donzela com uma
criança no colo com a inscrição "Petre,
Pater Patrum, Papisse Prodito Partum", que significa “Ó Pedro, Pai de
Pais, Denunciai o Parto da Papisa” de acordo com o relato de Jean de Mailly.
Segundo Estêvão de Bourbon, o conteúdo da inscrição varia ligeiramente para
“Parce Pater Patrum, Papisse Prodere Partum” que significa “Abstende-vos, Pai
de Pais, de Denunciar o Parto da Papisa”.
Além desses
dois relatos, temos mais duas citações a analisar. A primeira é a de um frade
franciscano de Erfurt, na Alemanha. Ele escreveu em sua Chronica Minor:
“Houve outro
falso papa, cujo nome e ano são desconhecidos. Pois era uma mulher, como é
reconhecido pelos romanos, de aparência refinada, grande saber e hipocritamente
de elevada conduta. Disfarçava-se com roupas de homem e finalmente foi eleita
ao papado. Quando papa ficou grávida e, quando estava dando à luz, o (ou um)
demônio anunciou abertamente o fato a todos no pátio público, gritando este
verso para o papa: Papa, Pater Patrum,
Papisse Pandito Partum”[10].
O significado
da frase é o seguinte: “Ó Papa, Pai de Pais, Revelai o Parto da Papisa”. Encontramos
um relato semelhante em outra crônica alemã, Flores Temporum. Neste relato, o autor conta a história de João
Anglicus, que na verdade era uma mulher que se vestia de homem e que foi levada
para Atenas por seu amante para estudar. Quando ela foi para Roma,
distinguiu-se tanto por seu saber que foi eleita papa. Ela, porém, fingindo ser
homem, engravidou-se de seu antigo amante e, nesse tempo, “um endemoniado foi
indagado sob juramento sobre quando o demônio partiria. O demônio respondeu em
verso: “Papa, Pater Patrum, Papisse
Pandito Partum. Et tibi tunc edam, de corpore quando recedam”[11].
Repare que a
frase é igual à descrita em Chronica
Minor. O autor de Flores Temporum
apenas acrescenta mais uma frase que significa: “E então eu vos farei saber
quando partirei do corpo” e conclui seu relato dizendo que “ela morreu no parto
entre o Coliseu e a Igreja de São Pedro. Por isso, os papas sempre evitaram
essa rua”.
Num primeiro
momento, poderíamos considerar esse tópico como algo irrelevante, visto que há
divergências nos relatos. Entretanto, o monge flamengo Van Maerlant disse em
seu Spiegel Historical que o memorial
com a inscrição “pode ser inspecionado no local”[12].
Quando uma
história é passada e/ou repassada de uma pessoa para outras, ela pode acabar
sofrendo com a interpretação particular de cada uma delas e fugir do seu estado
original. É como quando Mateus, evangelista e um dos Apóstolos do Senhor, diz
que Judas se suicidou através de enforcamento (Mt 27.5). A notícia de como
Judas morreu correu pela circunvizinhança e quando Lucas foi em busca de
respostas para sua pesquisa, registrou nos Atos dos Apóstolos que o filho da
perdição morreu precipitando-se, isto é, caindo de algum lugar (At 1.16-18). O
que pode ter acontecido, então? De fato, Judas foi se enforcar. Pulou e morreu
sufocado ou com o pescoço quebrado. Depois de certo tempo, ou imediatamente, a
corda ou o galho de uma árvore não suportou e arrebentou, vindo ele a
precipitar-se e cair prostrado, arrebentando-se pelo meio e derramando suas
entranhas.
De fato, alguém
possuído por um demônio pronunciou tais palavras e quando o papa Benedicto III
erigiu a estátua da papisa, provavelmente colocou juntamente com a estátua o
tal memorial com as palavras inscritas, mas isso será assunto para o próximo
tópico. Não temos motivos para duvidar que o memorial existiu e as divergências
da inscrição não são suficientes para negar sua veracidade, principalmente porque
as diferenças das frases são mínimas.
3. A estátua
Conforme vimos
anteriormente, pouco depois da morte da papisa, foi confeccionada uma estátua
de uma donzela com uma criança no colo, bem como com a famosa inscrição já
discutida. De acordo com Teodorico de Nieheim, Bispo de Padeborn, advogado,
tabelião da corte papal e secretário de Urbano VI, disse que a estátua foi
“erigida pelo Papa Benedicto III, a fim de inspirar horror pelo escândalo que
ocorreu naquele lugar”[13].
Em visita a
Roma, Martinho Lutero viu a tal estátua e ficou surpreso de ver tal objeto lá,
pois era motivo de embaraço[14].
Essa visita foi mais provavelmente no final do ano de 1510, portanto, antes do
ano em que publicou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg,
em 1517[15].
De acordo com
os autores do livro “A Papisa Joana, o Mistério da Mulher Papa”, Rosemary e
Darroll Pardoe, a estátua foi removida durante a segunda metade do século XVI,
possivelmente a mando do Papa Sixto V[16].Os
Pardoe são da opinião de que a história da papisa não passa de uma lenda e
prometem ser imparciais em sua pesquisa, entretanto, chegam eles mesmos a
admitir que, “de quase nada podemos ter certeza a respeito da estátua, a não
ser o simples fato de que ela existiu e esteve estreitamente relacionada com a
papisa durante pelo menos 150 anos”[17].
4. A cadeira furada
A consagração
de cada papa era realizada na catedral papal, a Basílica de Latrão. Para essa
cerimônia eram usadas duas cadeiras furadas. Uma dessas cadeiras existe até o
dia de hoje e pode ser encontrada no museu do Vaticano. O uso das cadeiras foi
uma forma de prevenir que novamente de uma mulher se tornasse papa e o furo era
para que fosse realizada uma contraprova de que o papa era efetivamente homem.
Durante as reformas do papa Adriano VI, o uso delas foi abolido em
aproximadamente 1522-3.
Os Pardoe
encaram a história das cadeiras como uma invenção para acalentar a existência
da papisa enquanto outros pensam se tratar de uma conspiração para “ocultar e
obscurecer a verdade da história da papisa Joana”[18].
Não podemos ignorar o fato de que o período medieval foi marcado por líderes
católicos inescrupulosos.
Latourette
comenta que, por volta do ano 500 a Igreja era invadida por ideais que eram
totalmente contrários ao Evangelho, principalmente a concepção e o uso de poder
que estavam em rigoroso contraste com a espécie de poder mostrado na vida e nos
ensinamentos de Jesus. O cristianismo estava sendo seriamente afetado pela
doença fatal do Império Romano. Desde então, os bispos tendiam a tornar-se
magnatas não diferindo grandemente dos senhores seculares, exceto em seus
títulos e em algumas de suas funções. Não era difícil ouvir de bispos que eram
glutões, beberrões e lascivos. Muitos acabaram sucumbindo. As últimas décadas
do século IX foram anos de profundas trevas tanto para Igreja Católica quanto
para a Europa Ocidental. No ano de 1095, a primeira cruzada foi promovida pelo
papa Urbano II e ainda muitas outras (até o final do século XIII) seriam
empreendidas com o apoio ou senão com a promoção de um pontífice romano[19].
Não é surpresa
e tampouco segredo que desde que a Igreja se ajuntou ao Estado no final do
século IV, a decadência espiritual foi enormemente progressiva. O frade
franciscano Guilherme de Ockham (1288-1347), além de filósofo, lógico e teólogo
escolástico, denuncia em sua Opus
Nonaginta Dierum que, os papas eram corruptos, hereges, impuros, sujos e
dados ao pecado. Ele ainda comenta de uma mulher que “sustenta-se nas crônicas
que (...) foi reverenciada como papa pela igreja universal durante dois anos,
sete meses e três dias”[20].
Baseados na
podridão em que se encontrava o clero desse período não é de se admirar que
tenham omitido a existência de uma papisa ou se esforçado para adulterar
documentos que comprovariam tal fato, afinal, seria uma mancha na história da
“Santa Igreja”. Dependendo da motivação, as pessoas empreendem tal esforço.
Temos como exemplo, a ressurreição de Jesus. Mateus nos relata que os homens
que vigiavam o Sepulcro para onde o corpo de Jesus havia sido levado, correram
até os principais dos sacerdotes para lhes falar acerca da ressurreição. Os
soldados então receberam propina para omitirem tal fato. Eles deveriam dizer
que os discípulos roubaram o corpo do Cristo enquanto os incompetentes
vigilantes dormiam. Obviamente que o Governador os puniria por essa
negligência, mas os anciãos judeus garantiram que iriam persuadi-lo a não
fazer-lhes nenhum mal. Mateus encerra dizendo que “Então eles, tendo recebido o
dinheiro, fizeram como foram instruídos. E essa história tem-se divulgado entre
os judeus até o dia de hoje” (Mt 28.15).
João Capgrave
escreve em seu Solace que “adiante em
outra parte deste claustro existe uma capela e lá fica a cadeira em que o papa
é sentado para verificar se é homem ou mulher, porque a igreja foi enganada uma
vez por uma mulher que morreu em procissão”[21].
William Brewyn,
um inglês que escreveu um guia das igrejas de Roma, declara em concordância com
Capgrave que na Capela de São Salvador, na Basílica de Latrão, existem “duas ou
mais cadeiras de pedra de mármore vermelho, cadeiras sobre as quais, segundo
ouvi dizer, é feita a prova de que o papa é macho ou não”[22].
Bartolomeo
Platina, prefeito da biblioteca do Vaticano durante o pontificado de Sixto IV,
declara em sua obra Vidas dos Papas que, “quando os papas são pela primeira vez
entronizados na cadeira de Pedro, que para esse fim é furada, seus órgãos
genitais são apalpados pelo mais jovem dos diáconos presentes”[23].
Felix
Haemerlein relata de forma mais detalhada em sua De Nobilitate et Rusticitate Dialogus como era realizada a
consagração papal:
“(...) até o
presente dia (a cadeira) está ainda no mesmo lugar e é usada na eleição do
papa. E a fim de demonstrar seu valor, seus testículos são apalpados pelo
clérigo mais jovem presente como testemunho de seu sexo masculino. Quando
verifica ser assim, a pessoa que os apalpa grita em alta voz: ‘Ele tem
testículos’. E todos os clérigos presentes respondem: ‘Deus seja louvado’.
Depois prosseguem alegremente na consagração do papa eleito”[24].
Seria cômico se
não fosse trágico!
Considerações Finais
Entre os
séculos XIV e XV a papisa foi incluída entre os bustos papais feitos para
decorar a nave da Catedral de Siena. A Imagem foi colocada entre Leão IV e
Benedictus III, acompanhada pela inscrição “Johannes VIII, foemina de Anglia”,
sem ser incomodada por pelo menos 200 anos. Essa série de bustos encontra-se em
Siena até os dias de hoje, excetuando, é claro, a da papisa que foi removida
aproximadamente no ano de 1600 pelo Papa Clemente VIII[25].
Durante o
concílio de Constança, quando o pré-reformador John Huss defendia sua posição
confiando na promessa de ser salvaguardado, o “Ganso” (Huss), preparador do
caminho do “Cisne” (Lutero), acusado de herege, batalhou pela fé que uma vez
nos foi dada e por várias vezes citou essa mulher, que era conhecida como Papa
João[26].
Certo escritor e
jornalista grego, Emmanuel Royidis, publicou em 1886 seu romance “Papisa
Joana”. Apesar de ser um romance, Royidis afirmou que continha provas
conclusivas de que a papisa Joana realmente existiu e que a Igreja Católica
tinha tentado encobrir o fato de durante séculos. O livro foi controverso e por
isso ele foi excomungado da Igreja Ortodoxa Grega[27].
O livro foi traduzido para o inglês por Lawrence Durrell e pode ser encontrado
na língua portuguesa.
Não acredito
que um mito ou uma invenção conseguiria transcender pelo menos sete séculos de
história. Penso que por trás dos
interesses de uma organização que tinha poder para controlar o pensamento do
povo, do fanatismo religioso, da fraqueza intelectual e da falta de
conhecimento de boa parte das pessoas, a história que tentaram mitificar,
possui mais evidências do que se pensa.
Como disse o
historiador, arqueólogo, arquivista e paleógrafo francês Auguste Vallet de
Viriville: "Onde quer que vejais uma
lenda, podeis ter certeza, se a investigardes a fundo, que encontrareis uma
história".
Notas
[2] SCOTUS, Marianus.
Chronicon Pontificum et Imperatum ; Ferum Germanicarum Scriptores aliquot insignes,
Ed. J. Pistorius. 1745, p. 639.
[3] POLONUS, Martinho.
Chronicon Pontificum et Imperatum; Monumenta Germaniae Historica: Scriptores,
XXII, p. 428.
[4] GEMBLOUX, Sigeberto
de. Chronographia; Chronicon Pontificum
et Imperatum ; Ferum Germanicarum
Scriptores aliquot insignes, Ed. J. Pistorius. 1745, I, p. 794.
[5] VITERBO, Godofredo
de. Pantheon; Ferum Germanicarum Scriptores aliquot insignes, Ed. J. Pistorius.
1745, II, p. 372.
[6] MAILLY, Jean
Pierier de. Chronica universalis
Mettensis; Monumenta Germaniae Historica:
Scriptores, XXIV, p. 514.
[7] BOURBON, Estevão
de. Diversis Materiis Praedicabilibus;
Scriptores Ordinis Praedicatorum. 1719, p. 367.
[8] ENGELHUSIUS, Teodorico.
Chronicon; Scriptorum Brunsvicensia
Illustrantium. Ed. G.G. Leibnitz. 1710, II, p. 1065.
[9] BURCHARD, John.
Liber Notarum, Rerum Italicarum
Scriptores, Ed. L.A. Muratori, XXXII, pt. 1, vol. 1, p. 176.
[10] Chronica Minor;
Monumenta Germaniae Historica: Scriptores,
XXIV, p. 184.
[11] Flores Temporum;
Monumenta Germaniae Historica: Scriptores,
XXIV, p. 243.
[12] DÖLLINGER, John. J. I. Von. Fables Respecting the Popes of the Midle
Ages, 1871, p.44.
[14] La statua delia papessa Joana; Bollettino della Commissione
Arqueológica Comunale di Roma; XXXV; 1907; pág. 82-95
[15] MUNTZ, Eugène. La Lègend de La Papesse Jeanne; La
Bibliofilia, 1900, pt. II, p. 333.
[16] PARDOE, Rosemary;
PARDOE, Darroll. A Papisa Joana, o
Mistério da Mulher Papa. Ibrasa, 1990, p. 69.
[17] Ibid, p, 71.
[18] Ibid, p. 73, 75.
[19] LATOURETT, Kenneth
Scott. Uma História do Cristianismo. Hagnos,
2006, Volume I, pp. 361-919
[21] CAPGRAVE, John. Ye Solace of Pilgrimes, 1911, p. 74.
[22] BREWYN, Willian. A XVth Century Guide Book to The Principals Churches of Rome, 1933,
p. 33.
[23] MUNTZ. Eugène. Op. cit. p, 330.
[24] HAEMERLEIN, Felix. De Nobilitate et Rusticitate Dialogus, 1490, p. 99.
[25] PARDOE, Rosemary; PARDOE, Darroll. Op. cit.
p. 49.
[26] L’ENFANT, James. The History of the Council of Constance, 1730, I, p. 340.
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