Filipenses 1:21 – “Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro”
Numa época em que frases bíblicas têm virado jargões, muitos crentes nem sequer prestam atenção no que realmente quer dizer um versículo que é citado automaticamente. O contexto, quem escreveu, para quem escreveu, conteúdo histórico, cultural, exegese e outros elementos hermenêuticos parecem “chatice” teológica, mas essas ferramentas de análise são apenas formas de nos auxiliar a interpretar a Bíblia de forma inequívoca. Além disso, é imprescindível que o leitor saiba a língua materna. Ele não precisa ter licenciatura em Letras e nem mesmo ser um expert em gramática, mas precisa ter o mínimo de noção de interpretação de textos. Mas e o Espírito Santo? Perguntariam alguns. Claro que Ele é a principal pessoa na revelação e no entendimento bíblico, mas isso não exime a nossa responsabilidade de interpretar coerentemente o Livro Sagrado.
Para que entendamos melhor o que quero dizer, assisti a um vídeo no you tube que é ao mesmo tempo hilário e desgostoso. Em uma matéria do Fantástico, um repórter entrevistou um suposto “pastor” (falo assim não ironizando o homem, mas é porque não sabemos qual é a sua denominação, quem o consagrou, qual a sua convenção, enfim, não há informações sobre seu ministério). O tal líder eclesiástico, casado, havia dormido com algumas de suas fiéis, também casadas, baseado em um versículo da Bíblia. Ele interpretou erroneamente Oséias 3.1: “Disse-me o Senhor: Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo, e adúltera, como o Senhor ama os filhos de Israel, embora eles se desviem para outros deuses, e amem passas de uvas”. Onde se lê adúltera, ele não percebeu o acento agudo e leu adultera, como se fosse um verbo conjugado no modo imperativo. Baseado nessa interpretação ele obedeceu à ordem de adultério e cometeu tal prática com algumas freqüentadoras de sua igreja.
Mas e quem não sabe ler? Alguém perguntaria. Deus não se esqueceu deles e declarou através do Apóstolo Paulo que “a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). Assim sendo, frases do tipo, “mais que vencedor”, “posso todas as coisas naquele que me fortalece”, “cabeça e não cauda” e até o versículo base deste artigo “morrer é lucro” viraram jargões sem a devida compreensão no arraial evangélico. É melhor conhecer a história de John Huss e assim poderemos entender porque viver é Cristo e morrer é lucro.
John Huss foi um teólogo reformador nascido no ano de 1373, em Hussinec, na Boêmia, atualmente a Tchecoslováquia. Filho de pais aldeões, sua família era humilde e vivia basicamente da agricultura. Apesar das dificuldades Huss recebeu uma educação memorável chegando a cursar na Universidade de Praga onde terminou seu curso de Teologia e Humanidades no ano de 1396. Dois anos depois começou a ensinar na Universidade, e finalmente chegou a ser o Reitor. Seus seguidores foram chamados de hussitas e suas doutrinas foram base da Reforma protestante na Europa central.
Ele aderiu às idéias do reformista inglês John Wycliffe, tornando-se um reformista severo e decidido. Nomeado reitor e pregador da capela de Belém em Praga (1402), seus sermões atacavam os abusos eclesiásticos, como defendia o nacionalismo boêmio e alcançou grande popularidade. Após ser nomeado Reitor da Universidade de Praga, recusou-se a aceitar a condenação papal da doutrina de Wycliffe e a defender-se em Roma das acusações que lhe eram impostas, o que o obrigou a fugir para o sul da Boêmia. Ali escreveu a obra “De ecclesia” (1412), em que radicaliza as críticas ao antipapa João XXIII. Com um salvo-conduto do imperador Sigismundo apresentou-se ao Concílio de Constança (1414) e defendeu firmemente suas idéias. Porém seus argumentos foram condenados e como ele negou-se terminantemente a retratar-se, foi encarcerado, declarado herege e condenado à morte na fogueira, executado em Constança, em 6 de julho (1415).
Depois de acusações de heresia contra Huss, cortaram-lhe o cabelo e fizeram uma cruz em sua cabeça. Por último, puseram uma coroa de papel que estava decorada com três demônios e o enviaram para a fogueira. Antes de ser queimado ele teve de passar por uma pira onde queimavam seus livros. Mais uma vez pediram que se retratasse, mas Huss negou com veemência. Chegando ao lugar de execução, não lhe foi permitido falar ao povo, mas a oração que fez enquanto estava sendo amarrado ao poste chegou ao ouvido de todos, dizendo: “Senhor Jesus, por ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-Te que tenhas misericórdia dos meus inimigos”.
No último momento ainda tentaram induzi-lo a assinar uma retratação, porém sem sucesso. Então Huss levantou sua voz e disse: “Tudo o que escrevi e assinei foi com o fim de livrar as almas do poder do demônio, e livrá-las da tirania do pecado; e sinto alegria em selar com o meu sangue o que escrevi e assinei”. Depois de dizer isto, acenderam a fogueira, e envolto pelas chamas proclamou em alto e bom som as seguintes palavras: “Hoje vocês estão matando um ganso, mas daqui a cem anos Deus levantará um cisne, o qual vocês não poderão matá-lo”. Huss morreu cantando hinos a Deus. Sua palavra profética se cumpriu em 31 de Outubro de 1517, quando Martinho Lutero publicou suas 95 teses na porta da igreja no castelo de Wittenberg, protestando contra diversos pontos doutrinários do catolicismo. Enquanto o ganso foi martirizado, Deus suscitou um cisne e proporcionou o livre acesso dos cristãos à Bíblia.
Ele literalmente entregou sua vida à Obra de Deus. Não temeu a fogueira, as torturas e nem o que deixaria para trás. Para ele, a verdadeira vida era Cristo e assim renunciou-se a si mesmo pelo Mestre. Morrer foi lucro e não um mero jargão ou uma frase de efeito usada em um sermão. Que possamos a cada dia valorizar o período de liberdade que vivemos. Temos livre acesso à Bíblia e liberdade para anunciar as Boas-Novas. Que possamos a cada dia mortificar nossa carne, tomar nossa cruz e seguir a Jesus!