sábado, 16 de abril de 2011

O Quadrilátero de Wesley

1 Timóteo 3:14,15 – “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela que há em Cristo Jesus”.

Desde a reforma, os protestantes elevaram as Escrituras ao lugar de primazia na igreja: o sermão finalmente substituiu a missa como ponto central do culto e uma Bíblia aberta substituiu o altar nas igrejas. Obtivemos muitas vitórias e conquistas desde então. Entretanto, a Ciência mãe, a Teologia, está perdendo cada vez mais seu lugar em meio ao povo evangélico. Não são poucas as denominações que estão descartando a formação teológica como pré-requisito para a ordenação de pastores. M. James Sawyer faz a seguinte analogia acerca de sua importância para o crente:
“Podemos ilustrar a importância da teologia por meio do esqueleto e da água viva. Quando olhamos para um esqueleto, temos razão suficiente para pensar que ele esteja morto. A vida que uma vez manteve aqueles ossos unidos se foi, e eles agora estão unidos por meio de parafusos e arames. É assim que muita gente enxerga a teologia: algo sem vida, uma coleção de idéias unidas pelos meios artificiais de complexas racionalizações e argumentos. Vejamos a água-viva. Ela pode viver algum tempo na praia, mas não poderá fazer coisa alguma. Ficará deitada na areia, numa bolha pulsante, incapaz de fazer qualquer coisa, exceto, talvez, ferir alguém que passe por ali. A água-viva, como o esqueleto, tem um problema. Enquanto o esqueleto tem estrutura sem vida, a água-viva tem vida sem estrutura. A falta de uma estrutura óssea faz que ela seja ineficaz para qualquer atividade em terra. Embora seja verdade que a teologia sozinha é sem vida, a vida espiritual sem estrutura é, na melhor das hipóteses, ineficaz e inútil para propósitos práticos. A resposta ao dilema é reunir a vida à estrutura que irá suportá-la. Uma estrutura como o esqueleto nos permitirá alcançar a tarefa de viver a vida, mas isso não significa que qualquer estrutura sirva, que uma estrutura seja tão boa quanto a outra”¹.
Por muitos anos, John Wesley foi visto apenas como um grande pregador, e não como teólogo de destaque que era. Após vários estudos dos escritos dele, essa avaliação mudou radicalmente nos anos mais recentes.
Ao discorrer acerca de teologia, Wesley defendeu quatro fontes de autoridade em seus estudos, conhecidos hoje como o “Quadrilátero de Wesley”²: as Escrituras, a razão, a tradição e a experiência. Ao apelar para estas quatro fontes, Wesley fazia da Bíblia a autoridade primária e final e, considerava as outras três como essenciais na formulação da doutrina e em sua aplicação para a vida.

1.      As Escrituras – Como dito anteriormente, Wesley considerava a Bíblia como primeira e final fonte de autoridade para a formulação de uma doutrina. Embora pareça contraditório, ele defendia que, a razão, a tradição e a experiência também eram fontes de autoridade. É peculiar de Wesley que, as Sagradas Escrituras compunham, portanto, a primeira fonte. Depois de avaliados os outros (três) critérios, a Bíblia fechava novamente o ciclo. Esta era então, a primeira e a última fonte de autoridade de acordo com seu raciocínio. Vemos muitos ensinamentos baseados em ordem diferenciada hoje em dia. Muitos valorizam mais as experiências em detrimento das Escrituras. Ele mesmo declarou: “Vocês correm o risco (...) a cada hora, se vocês divergirem, mesmo que pouco, das Escrituras; sim, ou do significado claro e literal de algum texto, compreendido em conexão com o contexto”. Outro dia ouvi de um pastor que, não há como haver apenas uma verdade, após questionar heresias que instalavam-se no seio da igreja, pois muitos interpretam a Bíblia a seu modo. Sim, e como diria o Mestre: “Errais, por não conhecerem as Escrituras e nem o Poder de Deus” (Mt 22:29). Vivemos em meio a “várias verdades”, entretanto a Bíblia não sustenta esta idéia, mas afirma exatamente o oposto, a existência de uma única Verdade (Jo 17:17, Jo 14:6).

2.      A razão – Wesley costumava combinar a razão com as Escrituras. Dizia que, a razão não é uma fonte primária de conhecimento, mas um processador que organiza e deriva inferências do conhecimento da experiência. É como se fosse um mecanismo que o ser humano possui para interpretar as informações que o Espírito Santo revela a nosso espírito (Rm 8:16). Ele rejeitava tanto o entusiasmo irracional quanto o antissobrenaturalismo. É muito comum vermos pessoas “espiritualizarem” demais certas situações, como o fazem os adeptos da maldições hereditárias. Tudo passa a ser espiritual, é como se os demônios se escondessem debaixo do tapete e nos fizesse inclusive tropeçar em uma pedra na calçada. Às vezes parece que o diabo é tão onipotente quanto Deus em certas denominações que perderam a noção da razão.

3.      A tradição – Tradição para os dias de hoje soam como algo pesado, ruim, antigo e quadrado, uma vez que vivemos em meio a um movimento neo-pentecostal exacerbado. Sei que há muitas igreja neo-pentecostais sérias. Mas o que mais acontece hoje, é o que Paulo havia advertido a Timóteo: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo seus próprios desejos” (2 Tm 4:3). Alguns simplesmente não concordam com alguma coisa e abrem uma nova igreja. Wesley, porém, via a autoridade da tradição de uma forma diferente. Ao invés de ser independente das Escrituras, a tradição era fundamentada nas Escrituras, que a explicava. Alguns chamam essa tradição de “norma normatizada”. Para Wesley, uma nova doutrina deveria estar errada. A velha religião era verdadeira. Nenhuma doutrina poderia estar correta a menos que concordasse com a doutrina dos primórdios, isto é, a Igreja Primitiva. Alguns movimentos dizem estar resgatando valores dos Apóstolos e até ordenam Apóstolos (as), Profetas, Evangelistas, Pastores (as) e Mestres (as), baseados em Efésios 4:11. Para um esclarecimento melhor sobre essa heresia, acesse o site do ICP – Instituto Cristão de Pesquisas. Outro movimento herético é o G-12, que diz se reunir em células, como faziam os primeiros cristãos. O culto doméstico até é bíblico, mas a pirâmide de 12 não. Não vemos Pedro discipulando 12 homens e nem mesmo sua esposa fazendo o mesmo. Aliás, nem mesmo temos muitas informações sobre sua esposa. Esta pirâmide de 12 em 12 não é bíblica. Veja a citação a seguir:

 “Prefiro os exegetas antigos, que expressaram concordância, àqueles cujos                pensamentos são caracterizados mais por criatividade individual, brilhantismo controvertido, retórica impressionante ou gênio especulativo. A avaliação de referências pode ser comparada a uma pirâmide de fontes cujo firme fundamento são as Escrituras canônicas. O centro estável da pirâmide são os escritores cristãos do consenso dos cinco primeiros séculos. Acima deles, estão os melhores escritores medievais, seguidos pelos mestres do consenso da Reforma e da Contrarreforma na parte mais alta e estreita. Os intérpretes mais recentes estão no topo da pirâmide, mas somente aqueles poucos que melhor compreendem e expressam a mente da Igreja histórica de todas as culturas e épocas. Meu compromisso é não tentar virar a pirâmide de cabeça para baixo, como fazem os teólogos corporativistas, que tendem a valorizar apenas o que é mais recente. As fontes mais remotas, e não as mais atuais, é que são citadas como pertinentes, não por alguma nostalgia que apenas simpatiza com o que é antigo, mas porque a antiguidade é um critério autêntico em qualquer testemunho histórico”³.

4.      A experiência – Wesley mesmo dizia que a fé é a evidência ou convicção divina e sobrenatural de coisas não vistas, que não são passíveis de serem descobertas pelos sentidos corporais. Nessa experiência, o Espírito toma a verdade conhecida racionalmente e a torna pessoal. Wesley afirma que sabemos que fomos santificados e salvos “pelo testemunho e pelo fruto do Espírito. Primeiro, pelo testemunho, pois quando fomos justificados o Espírito testificou ao nosso espírito que nossos pecados foram perdoados; ainda assim, quando fomos santificados ele testemunhou que fomos lavados (...) esse último testemunho do Espírito é tão claro e firme quanto o primeiro”4. Apesar de valorizar a experiência, Wesley era cauteloso com visões, sonhos e coisas semelhantes e insistia que as Escrituras deveriam ter prioridade no julgamento da validade de tais experiências: a experiência pessoal não pode contrariar a Bíblia. Como já fora exposto no primeiro item, Wesley não usava nem a experiência, nem a traição, nem a razão como autoridades independentes para confirmar a verdade das Escrituras. A Bíblia era a primeira e última fonte de autoridade para sistematizar uma doutrina.
O objetivo deste artigo não é enfatizar a razão, apesar de necessitarmos utilizá-la em nosso culto pessoal (Rm 12:1), nem mesmo a tradição, embora os autores patrísticos possuam grande autoridade, tampouco a experiência, a qual paradoxalmente se faz necessária em nossa vida e ao mesmo tempo cria uma dependência empírica maléfica. O objetivo central é trazer as Sagradas Escrituras para o lugar onde realmente deve estar, não apenas no início e no fim, como defendia Wesley, mas no início, no meio e no fim.


¹ SAWYER, M. James. Uma introdução à teologia. São Paulo: Editora Vida, 2009.
² THORSON, Donald A. D. The Wesleyan Quadrilateral. Grand Rapids: Zodervan, 1990.
³ The Transforming Power of Grace. Nashville: Abingdon, 1993.
4 WESLEY, John. The complete works of John Wesley. CD-Rom.

Um comentário:

  1. Boa noite amigo gostei do seu comentário gostaria saber qual a pagina onde se encontra a analogia de M. James Sawyer?

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